Histórias de Moradores de João Pessoa

Esta página em parceria com o Museu da Pessoa é dedicada a compartilhar histórias e depoimentos dos Moradores da cidade.


História do Morador: Hélio Lins Marinho Falcão
Local: Paraíba
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Na Petrobrás imperam as equipes

Sinopse

Hélio discorre sobre sua infância no interior da Paraíba, baseada na vida rural de seus pais fazendeiros e a constante presença da seca, sua ida a Recife para fazer engenharia, a entrada na Petrobrás nos anos 50, as inúmeras prospecções de petróleo nas Bacias da costa, diversos casos, sua aposentadoria e seu casamento.

História:

O meu nome completo é Hélio Lins Marinho Falcão. Eu nasci em João Pessoa, na Paraíba, no dia 15 de dezembro de 1933.

Meu pai chamava-se Antônio Marinho Falcão e ele tinha múltiplas... Pode parar aí que agora aí que a velhice aí me deu um branco. A profissão dele, ele era... Ele terminou como fazendeiro, embora ele tenha trabalhado também na área de administração. O nome da minha mãe era Maria dos Anjos Marinho, e ela criou a família. Meu pai, ele se casou duas vezes.

A primeira, a esposa dele morreu, e ele casou com a minha mãe, já... Ele já com quarenta e poucos anos, e a minha mãe com vinte e poucos. Então, das duas famílias dele, nós somos dez irmãos. Eu sou exatamente da segunda esposa dele. Eu conheci os meus avós maternos. Dos paternos eu só conheci a minha avó. A minha família é uma família da Paraíba, e ligada à família da minha mãe, que é a família Lins, ligada a engenho-de-açúcar. Então, eu passei grande parte da minha infância freqüentando aqueles engenhos.

INFÂNCIA

Bom, naquela época o automóvel era muito raro. Eu nasci em 1933, quer dizer, a minha percepção de vida começou realmente na década de 40, quando eu tinha mais de sete anos.

E na década de 40 ainda, na Paraíba não havia muitos automóveis. Então, a vida rural, quer dizer, o sistema de transporte, era o trem. O trem que ligava a capital com a cidade do interior; e nos engenhos, nas fazendas, o cavalo tinha uma expressão muito grande, porque era o meio de transporte. O cavalo e o boi. Porque o cavalo porque você podia andar diretamente e o boi porque você tinha aqueles famosos carro de boi, carroças puxadas a boi e que faziam o transporte de cargas e pessoas.

A minha lembrança dessa década talvez seja assim a mais rica na minha memória porque... Primeiro porque nós éramos jovens. Tinha toda vitalidade da vida. E segundo porque realmente havia uma inocência, uma beleza e uma inocência muito grande - você no contato direto com a natureza e aproveitando o que a natureza lhe dava, que era os passeios aos rios, para você tomar banho nos rios...

A família da minha mãe era de fazendeiros.

A família da minha mãe. O meu pai, casado com a minha mãe, ele tinha fazenda, mas ele não vivia da fazenda. Ele, inclusive, a primeira parte da vida dele, ele migrou para o Acre, teve seringais no Acre. Ele ficou durante 20 anos no Acre, onde ele teve a primeira esposa, parte da minha família. Foi por isso que mais tarde na Petrobras, quando eu terminei esse curso de engenharia de petróleo, perguntaram para onde eu queria ir, e eu escolhi a Amazônia para conhecer o local em que o meu pai tinha vivido. O meu pai nasceu em 1887. Ele viveu o auge da borracha, o auge da borracha.

E ele saiu ainda quando a grande crise não tinha afetado a produção de borracha da Amazônia. Mas ele saiu por causa da perda da esposa. Ele largou tudo e voltou para a Paraíba com os filhos.

INFÂNCIA

Nós freqüentávamos os engenhos... É, porque a distância era relativamente pequena. Você fazia uma viagem de trem, de trem era muito lento, mas era uma viagem de duas horas. Quer dizer, naquela época duas horas não significavam nada. E a aventura era muito grande, que você chegava nos engenhos, você ia conviver com um mundo diferente do mundo da cidade. É preciso lembrar que naquela época não tinha televisão, não é?

O cinema ainda era uma coisa programada, assim, em termos de uma vez por dia, à noite e o lazer ficava reduzido à prática de esportes ou essas incursões pelo interior. Então, nós aproveitamos muito. E eu guardo na memória o Engenho Corredor, que era de uma tia da minha mãe, que foi onde nasceu José Lins do Rego, e era o nosso engenho preferido porque a gente... a área de moagem da cana era próximo da casa-grande, chamada, e a gente se deleitava com aquele açúcar mascavo, comendo aquele açúcar o dia inteiro. Voltava para a cidade cheio de lombriga, tinha que tomar purgante para se recuperar.

E dos passeios a cavalo, dos pomares, dos banhos de rio. Era uma vida realmente... Por isso que a minha memória dessa época é uma memória que eu tenho saudade num aspecto, numa coisa que eu vivi, mas realmente depois que você vai avançando na vida, você também tem outros momentos, outros prazeres, outras... tem capacidade de encontrar coisas que você se satisfaz.

EDUCAÇÃO

Eu comecei a minha vida como estudante, freqüentando uma escola particular para alfabetização, era de uns conhecidos da família. A cidade que eu morava era uma cidade... João Pessoa era uma cidade pequena.

JOÃO PESSOA

A cidade já era uma cidade implantada, funcionando direitinho, e tinha recursos, tinha saneamento, energia elétrica. Nós morávamos mais ou menos a cinco minutos do Centro, a pé. A gente morava num bairro que era considerado Centro. Hoje a cidade se expandiu muito e se encaminhou para a praia.

Para a Praia de Tambaú, que é a principal praia lá. Enfim, eu morava nessa cidade e estudava. Fiz esse curso de alfabetização numa escola particular. Depois entrei no Colégio Marista, fiquei... Eu fiz o ginásio do Colégio Marista. Depois eu passei para o colégio, o Liceu Paraibano, que na época o Colégio Marista não tinha o curso científico. Então, só tinha o Liceu Paraibano. Então, era uma escola pública, e terminado o Liceu Paraibano, eu fui para fazer vestibular em Recife.

FAMÍLIA

A minha irmã mais velha - que eu sou o segundo da família da minha mãe - ela era, em relação ao filho mais jovem, ela era dez anos mais jovem. Então, nós não convivemos com eles. Eles já tinham saído, casados. Quando eu nasci, por exemplo, papai já tinha netos já crescidos dos primeiros filhos.

COSTUMES

Aquela época, aquela época uma cidade, uma cidade do Nordeste ainda hoje existe também uma... Mais ou menos esse espírito.

A população gosta muito de contato, de movimento. Então, a minha casa era uma casa cheia de... A minha casa tinha 15 pessoas, entre empregados e minha tia, que convivia conosco, e os filhos, os quatro filhos do meu pai. Enfim, a casa era uma casa movimentada, uma casa grande, não é, e uma casa tipicamente nordestina, tipicamente nordestina. A comida era comida... Uma comida regional, uma comida básica, o feijão está sempre presente. As características da comida nordestina, elas são bem diferentes da comida do Sul do Brasil. É uma comida, na época, mais elaborada, porque a mão-de-obra, tinha empregada.

Então, você podia se esmerar no preparo de uma determinada comida, num determinado prato. E havia isso. Foi sempre esse... Falava muito bem: “Vamos fazer uma galinha ao molho pardo”. Quer dizer, aquilo era um pitéu especial, mas dava um trabalho enorme. Eu só vim encontrar isso depois entre os italianos em São Paulo, que eles passam a semana... Ainda hoje: “Olha, vai haver uma lasanha na casa do fulano no domingo”. Então, eles ficam... Parece a torcida do Corinthians. Ficam comemorando antes do fim do jogo. No Nordeste era, mais ou menos, a mesma coisa. As festas... A época de São João era muito comemorada no Nordeste. As Quadrilhas. Então, muita comida à base de milho. Então, quanto mais aquela diversidade, tudo porque tinha mão-de-obra fácil de preparar para você se locupletar depois. Hoje, realmente não tem o menor sentido.

MIGRAÇÃO

Mas eu me afastei, que eu saí da Paraíba em 1951, e não voltei mais, porque eu já fui para a Petrobras, e a minha família, ela migrou... Os quatros filhos, os seis filhos da primeira esposa do meu pai, eles faleceram, já faleceram, e ficamos nós quatro, que um deles também já faleceu recentemente. Mas houve uma migração. A minha irmã casou com um advogado do Banco do Brasil, que foi transferido. Então, saiu. O outro irmão também se transferiu. Enfim, nós saímos da Paraíba, e a família, ela sumiu na Paraíba. Eu tenho hoje parentes do lado da minha mãe, mas já são pessoas idosas.

FAMÍLIA

E uma coisa interessante a registrar, que eu registro na minha vida, é o problema dos engenhos, dos parentes dos engenhos, em que as famílias, elas eram consideradas os ricos, a elite, e não tinham preocupação com instrução. Então, os filhos iam para os colégios e logo, logo o rapaz - 15, 16 anos, ele tinha muita coisa, ele tinha muita atração pelo engenho, porque lá estava a diversão, estavam os cavalos, estavam as moças para namorar. E havia uma semi-escravidão na época, isso é um aspecto também importante. Quem sabia ler não conseguia emprego no engenho, que você naquela época morava no engenho. O engenho oferecia casa. Você ia morar e você se sujeitava a trabalhar para o dono do engenho.

Então... E trabalhava um dia de graça. Mas se você soubesse ler e escrever, você não era aceito, porque você era ponto de... você era um sindicalista, você seria um ativista reclamando direitos e coisas. Então, essa época... Quer dizer, os filhos... Eu estava falando dos filhos da segunda geração dos donos, eles achavam que estavam perdendo tempo se instruindo, e aí voltavam.

Saíam dos colégios, voltavam para os engenhos, para andar a cavalo, para fazer os programas, tinha festa, tinha... E não estudaram. Então, com a morte dos pais houve uma divisão das terras. Quatro filhos, divide por quatro. E aí como eles não sabiam fazer nada. Eles não sabiam administrar, certo? Então, eles foram empobrecendo e num período relativamente curto, um período talvez de 20 anos... 20 a 25 anos, eles se acabaram. Eles deixaram...

Quer dizer, eles empobreceram de forma tal, que perderam as terras e eles foram viver uma situação não de miséria absoluta, mas de pobreza. E o interessante é que os filhos adúlteros, porque naturalmente os coronéis naquela época eles tinham as suas concubinas, eles tiveram filhos, esses filhos adúlteros procuraram estudar e se formaram. Aí foram médicos, advogados, engenheiros e ajudaram a outra família nessa fase de empobrecimento. É um fato interessante.

EDUCAÇÃO

Nós éramos da classe média. Nós não éramos da classe rica, éramos da classe média. Mas naquela época havia uma preocupação muito grande com a educação, havia um investimento. Agora, mais por outro lado, você não tinha meios, como não tem hoje de impor aos filhos o estudo.

Eu fui para o Recife estudar. Naquela época, escola de engenharia só tinha, no Nordeste, só tinha em Salvador e em Recife. Mais tarde apareceu uma no Pará. Então, todo o Nordeste, quer dizer, do Ceará para baixo, até Alagoas, freqüentavam a escola de engenharia de Recife, e Sergipe e Bahia freqüentavam a escola de engenharia da Bahia. A minha escolha por engenharia, eu inicialmente queria ser engenheiro agrônomo, porque eu, de certa forma, tomava conta da fazenda do meu pai. Eu era o mais disponível e eu sempre imaginava projetos, de fazer barragem. E aí, mas agronomia era... quando eu cheguei na hora h do vestibular, eu vi que agronomia tinha uma limitação muito grande, em termos de futuro. Então, eu tendi para engenharia civil, que é o curso que eu fiz lá no Recife.

Eu fui sozinho. A família, a base da minha família, o meu pai e a minha mãe, era realmente João Pessoa.

A fazenda do meu pai ficava numa região do semi-árido lá... Não era na Zona da Mata. Eram duas coisas separadas. E a fazendo do meu pai, então eu fui muito jovem... Como o meu pai não podia ir, então ele me mandava, fazia uma relação de coisas a verificar para trazer as respostas para ele. Então, eu ia lá examinar e com isso eu fui me apegando às coisas. Eu fui, a medida que eu ia ficando mais velho, com maior capacidade intelectual, aí eu próprio já comecei eu mesmo a fazer uma gerência, e com isso eu tive uma relação muito grande com a terra.

Sim, porque eu enfocava o seguinte; nessa região do semi-árido, as secas, as grandes secas do Nordeste, é uma situação terrível. Realmente toda vegetação, com exceção de algumas árvores - o juazeiro por exemplo, os cactos -, o resto morre. Então, fica... Os animais ficam sem alimento nessa região e eu, criança, eu tinha de ajudar a alimentar os animais, buscar alimento fora, buscar água e levantar animais, e aquilo me marcou porque foi exatamente na minha fase dos 12 aos 18 anos. Eu senti a seca e povo sem comida.

O Fome Zero podia ter sido feito naquela época. Mas, então, aquilo me marcou muito. Mais tarde, quando eu já trabalhava na Petrobras, eu fui visitar minha irmã que morava no Paraná, no norte do Paraná, eu cheguei lá e meu cunhado, a primeira coisa que falou: “Ah, você veio numa época muito ruim.” Eu falei “Por quê?” “Porque é uma seca.

Nós estamos num período de seca.” Aí eu... Nós fomos visitar uma fazenda de café e eu via tudo verde. Eu vi. Aí eu falei para ele: “Escuta, seca, você falando em seca.” Porque a minha idéia de seca era idéia da seca do Nordeste. E aí ele me falou: “Não, não, porque não chove aqui há dois meses, sem chuva aqui.” Mas a água correndo nos córregos. Quer dizer... E foi aí que eu tomei a decisão de mais tarde dizer: “Olha, agora eu vou terminar meu tempo aqui, para compensar esses anos que eu passei levantando gado lá, carregando comida para o gado na Paraíba.”

MILITÂNCIA

A Escola de Engenharia de Recife era... Primeiro, Recife é uma cidade no Brasil muito politizada, geralmente politizada. E a Escola de Engenharia era, dentro dessa politização, um expoente da politização. Então, havia movimentos contínuos, no sentido de defesa de teses que interessavam aos interesses do país. A campanha do “Petróleo é Nosso”...

Eu comecei a entrar na Petrobras porque nós fizemos uma campanha contínua.
A Escola de Engenharia tinha uma coisa interessante, que eram os trotes. Então todo início do ano se fazia o trote para receber os novos calouros, que não eram muitos. A escola era uma escola de mais ou menos 500 alunos e você tinha... Aliás, menos, 500 não. São... Não, muito menos, que eram cinco anos... Não, cerca de... Entre 200 e 300 alunos. Então você recebia anualmente cerca de 40 calouros, e esses trotes eram trotes feito desfile de escola de samba aqui no Sambódromo. Tinha carro alegórico. Carro alegórico eram carroças, puxadas a burro, evidentemente sem nenhum desses acabamentos ricos que tem aqui.

Era um negócio todo rústico. Mas com faixas, com cartazes e se procurava, então, fazer uma crítica ao modelo político. Pois é. Inclusive, na época, antes da criação da Petrobras em 1954, nós fizemos um trote, eu lembro perfeitamente, que foi dedicado ao problema do petróleo. Nesse trote, eu gravo até hoje uma faixa, em que se dizia: “O petróleo é só nosso.” Quer dizer, usando o é só nosso com o Esso, com a Companhia Esso. Então, foi o tema de um dos trotes, um trote famoso. E havia uma repressão, porque o desfile começava em frente à Escola de Engenharia, que é na rua do Hospício, ali no parque Treze de Maio, e passava pelo Centro da cidade.

Era um negócio que a população esperava. E o governador, as autoridades, não sei se o governador, mas as autoridades policiais esperavam, deixavam que o desfile viesse até o Centro da cidade. Quando se ia passar em frente ao Palácio do Governo para retornar, aí eles atacavam. Aí acabava o desfile. Então, foi... A Escola de Engenharia era marcada por isso. Havia um movimento político muito grande na escola, muito grande. A tese do petróleo foi debatida amplamente, não só na escola como no Brasil inteiro. Foi um movimento de âmbito nacional, mas na escola, a Escola de Engenharia foi um ponto em Recife de referência. Isso foi de 1950, de 1951 até 1954, quando a Petrobras foi criada.

E mesmo depois da Petrobras criada houve, assim, quando a Petrobras foi criada houve uma campanha de... uma tentativa de desmoralização da decisão de criar a Petrobras, achando que o Brasil não tinha petróleo, que não valia a pena e etc. Essa campanha de desmoralização se dava através da imprensa. Através da imprensa. E a minha tese até hoje é que realmente a Petrobras ela se constituiu empresa porque na época da criação as majors e o Primeiro Mundo consentiram que o Brasil tentasse criar uma empresa de petróleo, pelo simples fato de que eles não acreditavam que poderia ser criada uma empresa de petróleo num país do Terceiro Mundo.

IMAGENS DA PETROBRAS


A Petrobras é a única empresa de petróleo, a única do Terceiro Mundo. Veja bem, quando eu digo única, existem muitas - A Petróleo Venezuelano, a Pemex -, mas ela é a única que domina o ciclo-petróleo, todo o ciclo. Todo o ciclo-petróleo porque as demais, elas são competentes, elas têm bons profissionais, mas elas não dominam o ciclo-petróleo. O petróleo, ele tem duas áreas. Você normalmente divide o petróleo no setor up extreme, que é o setor onde você busca e chega a produzir, e o setor down extreme, onde você tem o refino, onde você já pega o petróleo e transforma, e transporta, e vai até a química, a petroquímica e a química fina. São esses dois.

Então, para você dominar isso tudo, você precisa ter centro de pesquisa de altíssima qualidade, você precisa ter investido bastante na formação de profissionais. Então, esse foi o grande mérito da Petrobras. Ela, desde a sua criação, ela investiu maciçamente na formação de pessoal, de treinamento.

INGRESSO NA EMPRESA

O meu primeiro emprego foi na Petrobras.

RECURSOS HUMANOS

Depois da criação, a Petrobras teve a sorte de naquele momento contar com algumas pessoas que tiveram visão.

O Neiva Figueiredo, que era um geólogo formado nos Estados Unidos, Antônio Seabra Moggi, que é um nome muito importante na formação de pessoal. E outros. Mas essas pessoas, elas dentro daquela inexperiência, elas chegaram à conclusão que era importante formar gente. Então eles programaram a criação de um órgão que se chamava... Era Cenap com c, que era um Centro de Aperfeiçoamento de Pessoal... De profissionais para o petróleo. Então, esse Cenap, ele começou a ser implantado aqui no Rio de Janeiro, aqui na Escola de Química na Urca, para a formação de engenheiros para a área de refino. Foi o primeiro, digamos assim, o primeiro núcleo de ensino profissional do Cenap foi aqui.

E criou um centro na Bahia, criou um Cenap na Bahia, onde, na Bahia, ela instalou uma espécie de universidade. Eles recrutaram professores de universidades americanas e formaram um curso de geologia, que praticamente não existia no Brasil. À época, 1955, 1956, você só tinha Ouro Preto, que era... Só tinha Ouro Preto na formação de engenheiros de minas, não eram geólogos - engenheiros de minas, e não tinha mais nada. Então, esse Cenap criou essa escola de geologia na Bahia e uma escola para a formação de engenheiros em engenharia de petróleo, também dentro do mesmo princípio de recrutar... À época não havia a titulação em engenharia de petróleo.

Na Universidade da Bahia, essas duas organizações, essas duas implantações foram feitas em convênio com a Universidade da Bahia, de tal forma que o aluno, ao terminar o curso, ele recebia um diploma da Universidade da Bahia para os dois cursos. Havia, antes disso, a Escola de Engenharia da Bahia; ela formou alguns engenheiros, durante um ou dois anos ela deu noções de Engenharia de Petróleo, mas como não era o foco do ensino, essa formação foi muito deficiente, foi muito pobre, digamos assim, porque não tinham professores. Então, eu estava lhe falando que esse pessoal, com essa visão, iniciou a formação de técnicos e continuou isso maciçamente desde 1957, e continuou até 1990, certo?

INGRESSO NA EMPRESA

Quando eu estava na Escola de Engenharia de Recife, no ano de 57, apareceu a Petrobras fazendo o concurso, oferecendo concurso para os engenheiros que quisessem participar desse curso de formação na Bahia. E aí eu fiz a prova. Olha, veja bem, eu estava na Escola de Engenharia de Recife, uma escola superpolitizada, que tinha lutado pela campanha do “Petróleo é Nosso”. Nós tínhamos noção da importância de uma companhia de petróleo para o país, exatamente para você... para você ter independência energética nesse setor. Então, quer dizer, eu... A minha cabeça já estava voltada para a Petrobras. A minha e de outros.

Quer dizer, da escola de engenharia saíram cerca de 14 engenheiros que foram fazer curso aqui no Rio de Janeiro, na área de refino, e lá na Bahia. Quem dava aula eram professores estrangeiros. Como eu disse, o Cenap, da Bahia, a parte de geologia, professores americanos recrutados nas melhores universidades americanas do setor de geologia. E a parte de engenharia de petróleo também foram recrutados em universidades. Aí apareceram... A Colômbia cedeu um professor... Não, eu acho que como eu era ignorante, eu vim da escola de engenharia com aquela base de engenheiro civil, e depois o petróleo, aquele desafio de você encontrar o petróleo, aí tudo que era colocado à disposição, você procurava digerir.

Agora, uma coisa importante para você ver a seriedade e, talvez por causa disso o bom resultado, o bom fruto que a Petrobras colheu, é a seguinte: o curso que a gente foi fazer era um curso remunerado. Quer dizer, quando eu entrei na Petrobras, eu entrei empregado. Mas para eu continuar empregado, eu tinha de passar nos exames, e o curso era um curso dividido em períodos, e você tinha prova todo santo dia e avaliação trimestral. Se você não tivesse aproveitamento perdia emprego. Então, por exemplo, a minha turma foi a primeira turma organizada, quer dizer, que entrou... encontrou essa organização na Bahia; professores e sala. Houve uma turma anterior, em número menor, que não teve...

Ela estudou, mas foi na própria região de produção da Bahia. Quer dizer, não era um curso com professores, com horas. Foi uma tentativa que a Petrobras fez, que não tinha tempo de organizar. Mas a minha turma começou com 50 e tantas pessoas e no segundo período, nós já tínhamos reduzido a 30 e poucos porque muitos... O camarada sai da escola de engenharia com diploma de engenheiro e aí não quer mais fazer prova. Chega lá, não quer estudar, e ali você tinha de ter estudo, você tinha de estudar, você tinha que ter nota para passar. E a matéria era uma matéria inteiramente nova. Não tinha... A única interface que existia era interface da física e da matemática. Entrei na Petrobras em janeiro de 1958.

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL

Aí esse curso terminou, esse curso durou dois anos, entre teoria e prática, porque nós tínhamos que fazer estágio na própria região de produção da Bahia, que era naquela época a principal unidade da Petrobras. Era onde havia produção de petróleo, produzia 100 mil barris por dia, e toda a inteligência, digamos assim, de exploração estava lá. O Rio de Janeiro tinha uma sede, mas eram profissionais mais burocráticos do que técnico. E o meu primeiro trabalho, nós terminamos o curso no final de dezembro, na época do Natal, a Petrobras... Eu me ofereci, eu escolhi ir para a Amazônia.

Eu fui com mais três colegas. Nós viajamos no Natal. Chegamos em Belém, onde ficava a sede da superintendência, e aí o meu primeiro trabalho como profissional ocorreu aí. Eles me mandaram para uma sonda, que era, digamos assim, o embrião dessas unidades marítimas que nós temos hoje. Até hoje, o pessoal costuma chamar “a Petrobras Zero”, brincando, que era uma balsa, uma balsa, que operava na foz... Toda aquela região da foz do rio Amazonas. Quer dizer, uma área muito grande, e lâminas d’água de até três metros, que era a altura da balsa, certo? Então, você chegava com a balsa e punha a balsa.

Logicamente, você trabalhava sempre junto às margens dos rios ou lagos e afundávamos a balsa, e a balsa tinha uma torre, uma torre no centro dela, e aí começava a furar. Quer dizer, fazia um poço ali. E quando eu cheguei, na expectativa: “Bom, eu cheguei agora no Natal, então, a Petrobras vai... Eu vou passar o Ano Novo aqui em Belém, deve ser ótimo. Aí, o primeiro dia útil da semana, o chefe do departamento me chamou e falou: “Hélcio, a sua passagem de avião está aqui. Você está viajando para o Amapá.” Eu fui para o Amapá, o meu primeiro trabalho foi nessa balsa no rio Jarí. No rio onde houve aquele projeto do americano. Eu comecei a furar um poço lá...

EXPLORAÇÃO AMAZÔNIA

Ah, mas foi uma emoção... Na hora que eu me senti engenheiro, engenheiro de petróleo, cheguei, não tinha... Só tinha o geólogo, tinha muitos estrangeiros na época. O geólogo era americano. O resto da tripulação era toda brasileira, e eu era o manda-chuva porque eu cheguei como engenheiro. Quer dizer aí então... Petrobras existe uma disciplina muito grande. Então, você, se chegar lá, for para uma determinada área em que você é chefe, aí todo mundo obedece mesmo, mesmo que você não exija essa disciplina. Mas eles agem assim. Então, eu me senti super-realizado. E aconteceu um fato muito interessante.

Foi a minha primeira experiência, porque nós, quando fizemos esse curso, nós absorvemos uma quantidade de informações, um nível de conhecimento que ninguém... o resto dos empregados da Petrobras não tinha. Não tinha porque eles não tinham tido oportunidade. O sistema de treinamento era um sistema de pegar um engenheiro civil e pôr ele numa sonda ou numa unidade, para ele ir aprendendo com a prática. Quer dizer, sem uma... Isso era o sistema antigo, que foi obrigado a fazer isso. Então, eles não tinham conhecimento. Eles, quer dizer, é claro, o cara era engenheiro, ele sabia que certas coisas podiam ser feitas e outras não. Mas eles não sabiam os detalhes, o porquê, não sabiam fazer cálculos, não sabiam, enfim, montar projetos.

Eles não tinham o conhecimento para isso. Então, eu cheguei na sonda e eu tinha tido esse curso dois anos, estava superafiado. E aí nós estávamos furando lá o poço, e o poço chegou numa determinada profundidade, e a ferramenta prendeu. A perfuração é feita com uma coluna de tubos, que você vai acrescentando. Cada tubo tem, mais ou menos, dez metros, que você vai colocando na medida que a perfuração avança, você vai aumentando, vai descendo mais tubos. Por aí você vai até a capacidade da sonda. Algumas, cinco mil metros, outras... No caso nosso lá eram quatro mil metros.

Então, o poço estava já uns três mil metros, e a ferramenta prendeu, que é uma coisa que ocorre de vez em quando. E a perfuração, você tem essa coluna, na ponta dessa coluna você tem uma broca, que é quem cava, quem tritura as rochas, e é um processo rotativo que nós usamos. Então, você tem o processo rotativo, e por dentro dessa coluna você injeta um líquido, a gente chama lama de perfuração, que vai até o fundo, que vai até a broca e sai pela... A broca tem uns orifícios, sai por aqueles orifícios e preenche o espaço anular, porque normalmente a broca é maior do que o tubo, então, quando ela fura o poço, ela cria um poço cujo diâmetro é maior do que o diâmetro do tubo.

Então, tem um espaço anular entre a parede do poço e... Então, aquilo é cheio de fluido. E aí prendeu. A ferramenta prende, e aí você... E aquilo ali é perda do poço, ou então operação de pescaria. Normalmente superdemorada, porque você tem de cortar a tubulação e, enfim, tentar pescar para recuperar. Enfim, é uma operação muito demorada. E eu tinha chegado. Quando eu estava no alojamento, o camarada falou: “Prendeu a ferramenta!” Pronto. Aquilo ali significava parada da operação por vários dias.

O geólogo adorava porque ele não tinha o que fazer. Ele ficava lá. Não tinha Belém, não. Era 90 dias o tempo mínimo de sonda. Aí eu cheguei e examinei lá e verifiquei que tinha sido uma prisão por pressão diferencial. Algumas... Pelo que estava furando, tinha uma areia lá, meu diagnóstico foi esse. E, aí baseado no que eu tinha aprendido no curso, eu: “Vou deslocar um tampão de óleo diesel.” Colocar óleo diesel frente àquela zona que estava prendendo e aí por pressão... por diferença de pressão aquilo ia soltar.

Aí mandei preparar, fui lá, injetei aquele óleo, e como eu estava cansado, que eu tinha trabalhado muito, eu falei para o chefe lá, o soldador chefe, falei: “Olha, você faz o seguinte; agora, vamos supor, meio-dia, eu vou... Essa ferramenta vai soltar daqui a três horas. Então, você, por favor, quando soltar, você me chama.” E fui para o alojamento. Daqui a pouco, o camarada... Quer dizer, quando chegou na hora, o camarada chegou com os olhos... Eles acharam que eu era desses, como é que chama, pajé. Tinha muita gente da Amazônia lá, eles achavam que eu era algum mago: “Essa ferramenta soltou!”

Não esqueço nunca disto. Os trabalhadores da época não conheciam petróleo não, não conheciam petróleo não. Acontece o seguinte, a Petrobras, como ela faz até hoje, ela quando vai fazer uma operação num determinado local, ela é obrigada a levar o pessoal-chave, que é o pessoal preparado. Isso aí é indispensável. Mas toda mão-de-obra que ela pode recrutar no local, ela recruta no local. Então, as sondas, uma sonda dessas na Amazônia, ela era uma sonda flutuante, na realidade, porque Amazônia, como você sabe, todo transporte é feito através de barcos e balsas.

Então a Petrobras tinha uma frota imensa de balsas, e cada sonda, uma sonda devia ter, mais ou menos, umas dez balsas de 100 a 200 toneladas, onde você estocava óleo diesel, outra você estocava material em cima. Outra era uma balsa-alojamento, que até hoje tem. Outra era uma balsa-almoxarifado. Enfim, as sondas todas dependiam dessas balsas. E para fazer esse serviço, lidar com essas balsas, a Petrobras recrutava pessoal local, que era um pessoal excepcional, porque eles eram acostumados com o rio e conheciam maré e tal.

PROCEDIMENTOS DE TRABALHO

Essa balsa que eu falei a você, ela era afundada numa margem, numa área rasa. E aí, quando terminava a perfuração, você tinha que flutuar essa balsa. Ela estava com o fundo encostado na lama. Quando terminava, você tinha que fazer o inverso.

Você tirava a água dela para que ela flutuasse. E às vezes a balsa não descolava. Ela estava presa embaixo, o famoso glue effect, efeito de cola, estava presa. E aí nós usávamos os rebocadores, tivemos até acidente para puxar e... Enfim, a balsa estava... E um caboclo, num belo dia, que não era nem empregado da Petrobras, era um morador local: “Você sabe, que coisa interessante. Acontece a mesma coisa com a minha canoa.” “Ah, acontece com a sua canoa? Como é que você resolve?” “Ah, isso é muito simples.

Nós passamos uma corda por baixo.” Nós não tivemos dúvida. Pegamos um cabo de aço e “tchum” e passamos a balsa, “bum”, subiu. Uma troca de conhecimento. Não, não. O sistema de trabalho era um sistema até desumano, não para mim, mas para o grosso do pessoal, porque como você tinha uma quantidade muito grande de equipes, eram 17 sondas, mais... tinha mais umas 12 ou 13 equipes de sísmica, então, quando você multiplicava isso por pessoas, dava uma quantidade muito grande, e isso espalhado numa área de cinco mil quilômetros quadrados. Numa sonda nós tínhamos cerca de 60 pessoas. Vezes 20.

LOGÍSTICA

Mas é preciso levar em conta que nós fizemos uma vez uma perfuração no Acre, em que a embarcação saiu de Belém, para chegar na locação levou 30 dias de viagem. Então a logística era muito difícil, porque essa distribuição não era... planejada, era ao acaso. Você tinha uma locação aqui, outra lá, outra lá. Então a Petrobras atendia as necessidades através de balsas que levavam alimentação, levava combustível e materiais fluvialmente, e o pessoal era movimentado de avião. Então, ela na época, ela comprou dois Catalinas, e esses Catalinas eram operados por pessoal da Panair do Brasil, que na época existia.

Eram hidroaviões, hidroaviões. Os Catalinas eram hidroaviões. Então, esses Catalinas saíam de Belém, e eles faziam... eles faziam um pinga-pinga. Saíam de Belém, pá, pá, até chegar em Manaus. Então, saía de Belém, digamos, 6h, sempre na primeira luz do dia, para chegar em Manaus com luz do dia. Quer dizer, era, mais ou menos, uma viagem de 12 horas. Olhe, alimentação, de certa forma, era uma alimentação boa. A Petrobras... Carne sempre foi uma coisa difícil. Então você comia muito enlatado. Naquela época existiam no Brasil umas latas de conserva, que aquilo ali tinha uma duração de um ano, mais ou menos. Então, aquilo ali era... se comia muito. Mas tinha muito peixe.

Então, o pessoal pescava e pegava peixe. E nas regiões, quando as locações... Algumas locações, as locações sempre eram próximas dos rios. Quando ocorria que você tinha de entrar muito na mata, então e se você tivesse de fazer o alojamento lá dentro, aí você dependia da caça. Paca, tem muita paca. Às vezes, veado. Animais que apareciam lá. Até no Acre, a turma disse que a situação ficou tão preta, da falta de comida, que eles comiam macaco. O pessoal contratado da Petrobras é que caçava.

RELAÇÕES DE TRABALHO

Porque na época, na época não existia, você não tinha essa terceirização, que quem começou terceirização no Brasil, eu acho, foi a Petrobras, porque quando começou essa operação na Amazônia, quer dizer, a operação na Amazônia é até antes da Petrobras, tinha uma sonda pesquisando antes. Mas quando a Petrobras chegou com um número de equipamentos substancial, ela contratou pessoas para fazer a operação. Aí ela contratou todo mundo. Ela contratou carpinteiro, porque precisava carpinteiro, cozinheiros e saiu contratando. Contratou todo mundo. A medida que ela foi se assenhorando da operação e checando os custos, ela chegou a conclusão que, por exemplo, a cozinha podia ser feito por uma empresa especializada em cozinha, não necessariamente empregada da Petrobras.

Por isso que eu digo, se você fizer uma pesquisa, a Petrobras... vão encontrar que a Petrobras foi a primeira empresa brasileira que fez terceirização, que se tornou modismo depois dos anos, talvez, não sei, dos anos 60 ou dos anos 70. É, eu estava falando que na época, eu estou me referindo aí ao final da década de 50, o início da época de 60, o regime de trabalho na Amazônia era muito duro para o pessoal considerado de nível médio. Eles tinham... Eles não tinham direito a folga. Eles não gozavam. Eles tinham direito, mas não gozavam, não podiam gozar a folga. Então, eles trabalhavam um ano, ficava um ano lá na sonda ou na equipe sísmica.

Normalmente, as sondas é que tinham maior trabalho contínuo. E vinham para as bases, que eram duas, a sede era Belém, mas Manaus era o outro pólo também de fornecimento de pessoal, e aí eles ficavam, eles gozavam um mês de férias e tinham pagas... e recebiam em dinheiro as folgas que não eram gozadas. Isso provocou um problema social muito grande, porque os homens, essas equipes de perfuração que se moviam ao longo da Amazônia, elas tinham atrás dela cassinos flutuantes.

Quer dizer, cassinos... eu estou chamando de cassino, mas na realidade o termo não era bem cassino. Eram barcos, onde as mulheres viviam à procura de dinheiro, naturalmente. E o dinheiro estava na sonda, porque naquela época o pagamento era feito em dinheiro no local onde o camarada tivesse. Quer dizer, ele recebia... não tinha conta bancária... Quer dizer, tinha conta bancária, mas o pagamento era feito em dinheiro. Então, o que é que aconteceu? Os homens começaram a se relacionar com as mulheres daqueles barcos e constituir família. Então, passados alguns anos, de um modo geral, aquele pessoal do regime de um ano sem voltar a sua casa, ele teve...

Passou a ter uma segunda família. Isso constituiu um problema ao final, quando eles voltaram, que deixaram de fazer o regime de campo. Então, era um regime que se exigiu muito. Esse pessoal, acho que pagou um preço muito alto, mas eles é que fizeram a Petrobras. Foi através desse tipo de sacrifício que a Petrobras foi criada. E os engenheiros tinham de ter uma permanência mínima de três meses. E a folga, eles gozavam a folga na base de três por um: um dia de folga para cada três trabalhados, que é mais ou menos o regime que a gente tem aqui na cidade. Sete dias, você tem dois de...

EXPLORAÇÃO MARANHÃO

No período que eu passei na Amazônia, eu trabalhei tanto na parte da Amazônia propriamente dita como no Maranhão também, nós tivemos indícios, alguns resultados não-comerciais, não-comerciais.

O grande resultado comercial na Amazônia surgiu quando eu já estava aqui no Rio, já no Departamento de Perfuração, na década de 80, que foi a descoberta do Urucu, que foi a primeira reserva comercial de petróleo na Amazônia. Quer dizer, anteriormente a isso, houve descoberta de gás, uma série de campos de gás, um trend no Rio Juruá, ao longo do Rio Juruá. Mas o óleo mesmo, ele só veio a ser produzido em escala comercial com a descoberta do rio Urucu.

O Maranhão - a Petrobras, depois de um certo tempo de insucessos na Amazônia, ela deu uma mudada para o Maranhão, porque a Bacia de Barreirinhas se mostrou uma bacia com potencial de petróleo muito grande, muito interessante. Havia indício num poço de Barreirinhas, que produziu um pouco de petróleo e, posteriormente, nós descobrimos na época que eu estava lá, ali junto de Humberto de Campos, um poço também chegou a produzir. Mas não tinha expressão em termos de reserva de petróleo.

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL

O meu tempo na Amazônia, ele terminou em 1966. Eu comecei como engenheiro lá. Depois eu fui crescendo na organização. A Petrobras foi me aproveitando e eu fui primeiro designado para ser chefe da Base de São Luís, que era uma base importante lá na... E depois eu fui ser superintendente-adjunto da unidade lá em Belém, até 1964, quando houve mudança, mudanças políticas, e eu, na oportunidade, saí também. Em 1966... Na Amazônia, na unidade de lá, a famosa SRAZ, havia um movimento político sindical muito forte e lá, talvez, tenha sido uma das áreas do país que, com o famoso movimento militar, foram mais atingidas com demissões. E o meu perfil, eu era, eu sempre fui um técnico, eu nunca fiz política.

Eu tenho, naturalmente, como cada um de nós, tem sua opção, minha visão política. Mas eu, no exercício dos cargos, eu jamais agi como um político. Mas a coisa lá foi muito forte. Houve uma intervenção, eu era adjunto, e até o interventor, que mais tarde foi governador, que era o Jarbas Passarinho, quando ele chegou à Petrobras de novo, até me convidou para ficar no cargo, que eu era o superintendente de operações. Mas eu declinei, porque eu disse a ele: “Eu sei que é uma nova realidade. Vocês vão fazer inquéritos, e eu não quero ficar numa posição que possa interferir na avaliação das coisas que foram feitas”.

De forma que eu, naquele momento, eu saí e voltei a ser um engenheiro de perfuração e... Aí é um trecho grande da minha vida, uma história muito comprida, que não vale a pena falar. Mas em 1967 a Petrobras começou a organizar no Rio de Janeiro um grupo para iniciar as operações na Plataforma Continental Brasileira, e eu fui convidado para participar desse grupo, pelo superintendente do Departamento de Produção da Petrobras, que era um engenheiro... Era o engenheiro José Levindo Carneiro, oriundo da Amazônia. Ele me conhecia e me convidou para participar desse grupo.

EXPLORAÇÃO SEPLAL

Então, esse grupo, você está lembrado do Relatório Link. O Relatório Link disse no início da década de 60 que uma das opções que a Petrobras teria para encontrar petróleo seria a exploração no mar. E o Departamento de Exploração, nesse período, ele fez alguns trabalhos, algumas linhas sísmicas em águas rasas, e pediu ao Departamento de Produção... Naquela época, o Departamento de Produção incluía o Departamento de Perfuração. Você tinha o Depex e tinha o Depro. O Depex era o departamento do Link, enquanto esteve no Brasil.

E o Depro era um Departamento de Produção, que provia tanto para a produção como para a perfuração, as outras... Gerenciava as outras atividades. Então, o doutor Levindo me convidou para esse grupo. E o que havia era um pedido do Depex, na época, de fazer uma perfuração na Plataforma Continetal, offshore Brasil, em lâmina d’água de 20 metros. Já existia na Bahia, na Bahia de Todos os Santos, como a gente sabe, a Bahia descobriu um campo, um campo de Dom João em terra, e as perfurações foram caminhando para o mar, e foram feitos alguns poços no mar, prolongamento do campo de Dom João. Mas esses poços eram feitos em águas rasas, águas até nove metros, e águas abrigadas.

Então era uma operação, mais ou menos, anfíbia, feito o Catalina. Quer dizer, você pegava uma sonda de terra, punha lá em cima de barcaças e depois tirava a sonda, depois que ela furava o poço. Então, a primeira realmente... O primeiro movimento para a Plataforma Continental surgiu aí, em 1967. Então foram recrutados um engenheiro de produção, que era o engenheiro Marcelo, pelo Depro. E mais um engenheiro veterano brasileiro, que era o Ubiratan Pina, já falecido, e eu próprio. Para nós começarmos a coletar informações, o que era preciso para organizar esse trabalho no mar.

E aí nós fomos para os Estados Unidos. A Petrobras nos mandou para os Estados Unidos em 1967, para que a gente fizesse um curso sobre operações offshore. Isso foi feito e principalmente para visitar as operações no Golfo do México, que à época eram muito intensas. Eram muito intensas. Bom, até hoje existe um gap muito grande entre os dois países, é evidente. Mas naquela época era... a diferença era muito grande. Nós não tínhamos nada, absolutamente nada no Brasil que pudesse ser usado para os trabalhos offshore.

Para não dizer que não tinha nada, nós tínhamos dois rebocadores da Marinha, que eram rebocadores usados para salvar embarcações na costa brasileira, que estivessem ameaçando afundar e coisas desse tipo. Eram rebocadores de 1.000 hp. Quer dizer, não tinha... Não representava nada em termos de potência, 1.000, 1.500 hp, de forma que nós fomos e voltamos, coletamos os dados, visitamos aí, tivemos uma noção das operações e trouxemos subsídios para a organização do Seplal, que foi o Serviço Especial de Exploração da Plataforma Continental, que teve uma vida efêmera. Ele foi criado em 1967 e ele viveu até 1971, 70, 71.

Então, esse Seplal, ele foi organizado e procurou recrutar para os seus quadros um grupo que tivesse realmente um grupo... era um grupo muito pequeno, mas que tivesse realmente uma... fosse um pessoal de melhor capacitação. Não era o meu caso, eu fui apenas um organizador inicial, mas os outros que vieram, em termos de operação. E aí foi feita essa organização. Esse órgão era um órgão da área de Exploração e Produção, ligado ao diretor, e tinha o status de uma região de produção. E aí aconteceu o seguinte, quer dizer, na implantação, aí nós saímos. Quer dizer, o Depex tinha pedido uma sonda, uma plataforma capaz de furar em 20 metros de lâmina d’água. Aí nós saímos para construir uma que tivesse capacidade para 30 metros. Quer dizer, 50% a mais do que aquela.

Foi construída no Brasil. Começou em 1967 e terminou em 1968, foi lançada no Estaleiro Mauá. Na construção dessa plataforma, aí você pode, se você pegar os detalhes, você constata isso que você perguntou. Quer dizer, o grande gap tecnológico. Quer dizer, aço teve de ser importado, a fabricação das pernas que eram... era uma plataforma auto-elevável. Então, teve de ser selecionada, preparada uma firma francesa em São Paulo para fazer aqueles tramos das pernas.

Enfim, era uma novidade. Tudo era coisa nova. Até o fogão, que o fogão era uma coisa que teve que ser adaptada e, enfim, para a plataforma. Mas essa plataforma demorou a ser feita. Enquanto isso, a Petrobras, já com esse Seplal organizado, contratou a primeira plataforma para... a primeira plataforma também auto-elevável, que existiam muitas na época, para começar os trabalhos na plataforma.

E o primeiro poço foi feito no Espírito Santo em 1968, 1968 e a locação foi em cima de um domo de sal. Quer dizer, você não ia encontrar petróleo ali... porque é um domo enorme. Quer dizer, a sonda furou, parou-se e mudou-se a sonda para o segundo... A segunda locação, que foi na costa de Sergipe, e na segunda locação a Petrobras encontrou petróleo, que foi o primeiro petróleo descoberto na Plataforma Continental Brasileira, em 1968. Como se organizou o Seplal, eu fui escolhido para ser o gerente de perfuração. Então nós tínhamos um gerente de perfuração, um gerente de exploração e tínhamos o chefe do serviço, que era um paranaense, o Osvaldo Garcia de Azevedo.

E nós, nas nossas áreas, até o gerente de exploração era o Alberto Carlos, Alberto Carlos Ferreira de Almeida, e nós começamos a... Aí é que houve uma absorção. A Petrobras, no que diz respeito à exploração e produção, ela teve um pulo muito grande, porque nós, com essa atividade, nós fomos obrigados a manter contato com um padrão tecnológico muito mais alto do que nós tínhamos. Então, eu acredito que foi um benefício fantástico para a Petrobras. E o sucesso foi um sucesso relativamente grande, porque nós descobrimos esse campo de Sergipe.

EXPLORAÇÃO BACIA DE SERGIPE-ALAGOAS


O primeiro campo de Sergipe na Plataforma Continental entrou em produção num prazo recorde. A produção... À época era uma produção grande, porque era uma produção de mais de mil barris por poço, era considerado uma coisa fora do comum. Mas a Petrobras encontrou alguns campos ali, perto desse primeiro, que... Guaricema, no campo de Guaricema, e encontrou logo outros, e aí já foi criada uma região de produção, em função dessa descoberta, que já começou logo a ser muito maior do que a produção de terra de Sergipe. Sergipe e Alagoas.

Quer dizer, houve essa motivação toda, mas como eu disse, houve, teve uma vida efêmera, porque em 1970 nós já tínhamos cinco sondas operando na Plataforma Continental. Todas elas em águas rasas, águas... Nós chamamos água rasa, a água até 100 metros de profundidade, que são áreas que são cobertas por plataformas chamadas auto-elevadoras. São plataformas que têm umas pernas. Elas são balsas e elas têm umas pernas que são móveis. Você pode descer essas pernas até encostar no fundo do poço, e no momento que as pernas tocam no fundo do poço e ficam bem plantadas, você começa a levantar o casco da água. Então, aquela balsa fica fora da água, e você realiza a perfuração, o poço que você pretende furar, a partir daí.

Então, o Seplal em 1970 já tinha tudo isso em operação e tinha mais do que isso: já estava aplicando uma tecnologia que não era disponível nas regiões. Então houve uma mudança na administração da Petrobras, em 1970, e o novo diretor da Petrobras ficou num dilema: “O que é que eu vou fazer? Eu vou prestigiar esse órgão em detrimento das regiões?” Que na época a região de produção da Bahia, que era maior de todas, continuava sendo muito importante. Você tinha a região de produção de Sergipe-Alagoas; região da Bacia Potiguar e tinha a Superintendência lá da Amazônia.

Então, quer dizer, “Você vai dar prioridade a esse órgão ou vai continuar prestigiando as outras regiões?” Então, a decisão tomada foi de extinguir o Seplal e dividir o acervo do Seplal pelas regiões. Quer dizer, a região... A exploração fosse feita frente à costa da Bahia, Região de Produção da Bahia, da Amazônia, da Amazônia e assim sucessivamente. Com isso houve uma perda porque houve... Às vezes você tinha um especialista que ia cobrir o Brasil todo, mas com essa divisão você... O especialista teve que ser lançado num local só.

Mas foi uma decisão que ocorreu e muito bem. No período Seplal, nessa implantação de trabalhar na Plataforma Continental, a observação que eu tenho é a seguinte: o grau de dificuldade porque, por exemplo, você para poder trabalhar no mar, você precisa de uma infra-estrutura muito grande, muito grande. Então, você precisa de barcos especiais, que não tinha um só no Brasil. Nós tivemos de contratar os barcos, trouxemos dois barcos, quatro barcos, dois para o pessoal, dois para o material. Não tinha um helicóptero ainda. Começamos sem os helicópteros.

Você precisa... Chegava de barco. De barco, e as sondas, elas têm uma cestinha com o guindaste, e aí o guindasteiro põe a cestinha em cima do barco e a pessoa passa. Até o nosso marechal Levy, ele andou nessa cestinha numa dessas idas, por incrível que pareça. Mas, então, havia toda essa necessidade. E o que é interessante é o seguinte; quando começou a operação, nós trouxemos os barcos, e aí vamos começar operar como a operação exigia. Então quando fomos carregar o primeiro barco na Bahia, o Capitão dos Portos prendeu o barco. Aí o pessoal me telefonou: “Falcão, o barco está preso aqui na Bahia.

O Capitão dos Portos... Não pode sair porque está com carga de convés.” Aí eu peguei o avião, fui lá falar com o comandante. “Mas comandante...” “Pois é, Falcão, está aqui, o RTM aqui, o regulamento de tráfego marítimo. Olha aqui; é proibido embarcação transportar carga de convés. Como é que você quer que eu libere o seu barco aí, que está cheio de carga de convés?” Falei: “Comandante, o senhor... O barco”. Aí eu expliquei para ele: “Só pode ser carga de convés porque, quando ele chegar na plataforma, para tirar essa carga vem um guindaste. Tem um guindaste lá, e as pessoas amarram aqui e vai puxando um a um, os tubos, as peças, o que for. Só pode ser assim”.

Ele falou: “Bom, está certo. Você tem razão. Agora, só o ministro da Marinha pode dar essa autorização, porque é quebra de regulamento.” E ele concordou. Ele era uma pessoa inteligente, mas ele disse: “Mas eu não posso fazer isso. Eu não tenho poderes para passar por cima do regulamento.” Então, rapidamente, a Petrobras contatou o ministro da Marinha, que deu uma ordem especial para liberar o barco e a partir daí, imediatamente, a Marinha constituiu um grupo de trabalho, que a Petrobras também participou com informações e tal, para alterar o regulamento de tráfego marítimo.

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL

Bom, quando terminou o Seplal, eu era um gerente da Perfuração, a nova administração sentiu-se um pouco culpada porque eu passei a ser um petronauta, eu não tinha mais posição, eu iria ser um técnico.

Então me deram uma missão de construir o Petrobras 2, que foi a segunda unidade da Petrobras, que era um navio, que era um navio-sonda, um flutuante. E essa missão me levou aos Estados Unidos e ao Japão, porque o projeto era um projeto de uma empresa americana, e os equipamentos eram americanos, mas a construção seria no Japão. Então eu fiquei dois anos e meio por conta dessa tarefa. Quando eu voltei, a minha missão terminou em relação ao navio, com a operação do navio. Aí teve todo um programa de trabalho de preparação de pessoal. Foi a primeira unidade flutuante que a Petrobras própria operou.

O navio chegou, o navio chegou no Brasil em 1974, e o primeiro poço que esse navio furou na Bacia de Campos descobriu a Bacia de Campos. O navio era o Petrobras 2. É. E aí terminou. Foi o Rio de Janeiro 9, que ele perfurou e descobriu a bacia... descobriu o primeiro campo de petróleo na Bacia de Campos. Então, depois dessa missão, eu fui recrutado pela Braspetro. A Braspetro estava começando as suas atividades, aumentando as suas atividades mundo afora.

Ela foi criada em 1972 e estava com um programa de exploração de petróleo em vários países na América do Sul, mas principalmente no norte da África e Oriente Médio. Então eu fui indicado para ser o gerente de perfuração na Braspetro, na sede do Rio de Janeiro. A minha função era instalar as operações em todos os países em que a Braspetro atuava, no norte da África e Oriente Médio. Então, foi esse trabalho que eu fiz. Nós, na época, trabalhamos na Argélia, na Líbia, no Egito, no Iraque e no Irã.

BRASPETRO

A Petrobras teve sucesso. O sucesso praticamente em todas as áreas. Ela descobriu óleo na Argélia. Não foi uma descoberta representativa de grandes reservas, mas produziu durante algum tempo. Descobriu gás no Egito. Também não foi uma descoberta comercial, mas ela teve uma descoberta extraordinária no Iraque, o que foi a maior descoberta da década, no campo de Majnoon, na década de 1970. Eu acompanhei isso de perto porque eu era o gerente de perfuração.

Então toda implantação dos trabalhos foi feita com a minha supervisão. Naturalmente para cada área, a Petrobras levou técnico brasileiro, que ficou lá. Então, que acompanhou as operações e meu trabalho era exatamente fazer com que... Era contratar os equipamentos, colocar os equipamentos nos países. Atividade muito difícil, porque cada país árabe desses é um mundo diferente, é um esquema diferente. A Argélia, eu peguei em 1974, a revolução na Argélia tinha sido em 1962. Quer dizer, ainda existia uma situação jovem. Não tinha velhos, só tinha jovem de 20 anos para baixo, gerindo as mais altas funções. Todas as funções. Então era muito difícil. Radicais, vaidosos, Argélia... A Líbia, só se fala árabe na Líbia. Não tem nada inglês ou em francês. Nada, tudo é árabe, certo?

Ou você tem alguém para... Que fale as duas línguas para levar ou você aprende árabe. Também pode ser. As minhas viagens, eu normalmente viajo de 45, 60 dias, porque eu dividia em cada uma, em cada lugar que eu chegava, eu tinha de ficar para resolver como levar, contratar, às vezes de fora quando podia, para fazer com que a sonda fosse colocada naquela lugar.

Toda parte de logística, discussão dos programas de perfuração com os técnicos locais, com as companhias. Cada companhia com a sua característica. Foi realmente um aprendizado. Aliás, é importante dizer que, para a Petrobras, a Braspetro foi uma universidade da melhor qualidade, porque na curva de aprendizado da companhia, na hora que ela saiu daqui da época da Amazônia, contratando carpinteiros e não sei o quê, até chegar onde ela está hoje, teve uma fase em que ela teve...

Esse crescimento teve um impulso muito grande num momento em que pegou profissionais de todas as áreas, desde administrativa até as áreas técnicas, e colocou esses administradores, esses profissionais, em contato com empresas do Primeiro Mundo, muito mais desenvolvido, muito mais competentes.

Enfim, eu acho que a Braspetro foi uma experiência, uma decisão da Petrobras extremamente importante, mormente agora, quando a Petrobras, no Brasil, ela tem a presença de empresas estrangeiras. Então há uma competição... Aqui no Brasil. E aquela experiência serviu muito nessa fase, porque você tem grandes profissionais na Petrobras, e hoje esses profissionais, eles lidam com uma certa... não digo tranqüilidade, mas eles têm facilidade, eles conhecem como proceder, sabem como proceder diante das outras empresas. Eu fiquei na Braspetro até o início de 1977, quando eu fui convidado para ser o superintendente-adjunto do Dexpro.

EXPLORAÇÃO BACIA DE CAMPOS

E aí houve uma mudança na diretoria da Petrobras. Entrou o novo diretor, e eu fui ser esse adjunto que, na realidade, eu era o superintendente de operações, mais uma vez do departamento.

Na época, a organização da Petrobras, ela tinha esse departamento, que era chamado Departamento de Exploração e Produção, que aglutinava as três áreas, as três áreas distintas, o que criava uma certa dificuldade gerencial, porque o departamento era um só - você tinha um superintendente e as atividades eram distintas. Quer dizer, as atividades mereciam ter uma administração própria cada uma e isso só veio ocorrer mais tarde, em 1979.

De forma que eu cheguei no Dexpro, quando eu tinha deixado a Bacia de Campos descoberta; quando eu voltei, a Bacia de Campos já tinha... já haviam ocorrido outras descobertas e a Petrobras estava numa fase de planejamento do desenvolvimento da Bacia de Campos. Então foi uma fase realmente... Eu usei toda o conhecimento que eu tinha adquirido na época do Seplal e tal. Lancei minhas idéias, mas eu fui voto vencido, porque havia o interesse em fazer de uma outra forma.

A Petrobras usou um grupo inglês - e o que havia também, que é importante dizer, é o seguinte; havia uma ignorância. Nessa época o conhecimento em relação ao offshore no Brasil ainda era pequeno, porque o grande núcleo tinha sido o Seplal. Eles espalharam o pessoal do Seplal, mas não houve uma preocupação. O Seplal tinha grande vantagem em você ser o núcleo pequeno absorvedor de toda a tecnologia que existia, e vinha tudo para um núcleo só. No momento que você espalhou, a Petrobras perdeu um tempo grande, porque essa tecnologia, ela não entrava mais num único ponto, ou quando entrava não havia a disseminação dela em relação a todos os grupos.

Então, quando saiu para se fazer o desenvolvimento da produção, havia uma certa ignorância, e os profissionais que tinham poder de mando - no caso a diretoria, presidente -, eles não conheciam a parte técnica e aí houve, ao meu ver, uma decisão que eu não fui de acordo, de chamar essa empresa inglesa, porque era uma empresa que não tinha tradição. Nós tínhamos no mercado... Se era para chamar alguém de fora e precisava chamar, eu estava de acordo com isso, mas que se chamasse alguém que tivesse um currículo de execuções. O Brasil não tinha pessoal. Nós tínhamos necessariamente de recorrer a empresas de fora. Mas não através de um grupo inglês que não tinha experiência, que...

Enfim, mas assim foi feito. E a Bacia de Campos, então, foi feito o desenvolvimento. Eu participei de parte dela como superintendente de operações, mas eu saí, eu pedi demissão do cargo. Eu tive uma discussão por princípios lá e larguei o cargo, acho que em 1978. Em 1979 mudou a direção da Petrobras. Veio um novo governo e um novo presidente da Petrobras. Então, ele entrou na Petrobras com uma meta de aumentar a produção do país para 500 mil barris num período de cinco anos, e eu fui convidado para ser o superintendente de um departamento de perfuração que foi criado como resultante da divisão da Dexpro.

Então o Dexpro foi dividido em três fatias. Então, cada atividade passou a gerenciar a si própria, com seus especialistas. Isso teve um mérito extraordinário para a Petrobras, porque no momento que o geólogo vai se gerenciar ele próprio, ele vai pegar os recursos, então, ele soube como aplicar os recursos, como preparar pessoal. Então cresceu, os departamentos cresceram de um modo geral. Nesse período é interessante observar que a Petrobras perfurou mais no Brasil do que tinha perfurado - eu estou falando do período que vai de 1979 a 1987.

Ela perfurou mais poços no Brasil do que toda a perfuração da história dela. Atribuo isso a essa decisão de tripartição e de fazer. Isso aí é que permitiu à Petrobras chegar na posição de hoje, porque os campos de águas profundas foram descobertos nessa fase também. Quer dizer, houve uma fase intensa de exploração. Os campos de Marlim e Albacora, que são os dois maiores campos, foram descobertos em 1985. Nessa época eu era superintendente do Departamento de Perfuração. Então foi aí que nós começamos a usar as primeiras unidades de posicionamento dinâmico na Petrobras. Até então, a gente usava flutuantes ancorados, mas aí para fazer essas perfurações, nós contratamos os primeiros navios de posicionamento dinâmico.

EXPLORAÇÃO BACIA DO ESPÍRITO SANTO

A costa do Espírito Santo durante muito tempo, com a Bacia de Campos muito rica, ela foi relegada, porque os resultados iniciais tinham sido negativos; ela foi relegada. Mas agora, nessa fase de competição, em que houve abertura do setor de petróleo do Brasil, a Petrobras voltou, selecionou blocos e fez duas grandes descobertas na costa do Espírito Santo.

IMAGENS DA PETROBRAS

E então já estou terminando o meu tempo na Petrobras. Eu em 1987, eu depois... Houve um problema na Petrobras... A Petrobras, é preciso que se saiba, eu acho que todo mundo sabe, mas ela é uma empresa extremamente profissional, profissionalizada. Na Petrobras não existe...

Quer dizer, veja bem, eu estou me referindo à minha visão, pode ser que eu esteja inoculado com o cooperativismo muito forte. Mas é uma empresa profissionalizada. Então, se existem objetivos, então vamos atingir os objetivos, custe o que custar. E existe... Uma coisa que eu considero a mais importante de tudo, quando no início da minha conversa aqui, eu falei que a Petrobras, quando foi criada, foi consentida pelo Primeiro Mundo. Foi consentida, porque o Primeiro Mundo achou que o Brasil não seria capaz de construir uma empresa de petróleo. Que não existe, não existe. As empresas de petróleo, quando eu falo empresa de petróleo é o cara que domina o ciclo do petróleo por inteiro. Quer dizer, se houver uma bomba atômica no resto do mundo e ficar só um núcleo, ficar só a Petrobras, ela é capaz de dar segmento a todas as atividades de petróleo.

Nenhuma outra empresa, fora do eixo das Sete Irmãs, é capaz de fazer isso. Pemex, que é uma grande produtora não faz por quê? Porque quando ela tem um grande problema, telefona para o vizinho dela ali e pronto, dez minutos depois o problema está resolvido. Venezuela nunca se organizou, nunca teve uma empresa de petróleo organizada, até talvez de propósito, para que as reservas não pudessem ser... Enfim, a Argentina, YPF era um simulacro de empresas.

Enfim, não existe fora do Primeiro Mundo. Até as italianas. Você pega a italiana, ele não tem. Eles não dominam o ciclo. Quando eu digo “domínio”, tem de dominar mesmo, tem de saber resolver o problema da química fina também e tem de saber lá no up extreme resolver o problema lá do ostracóide na rocha. É isso que é dominar. Então, a Petrobras dominou. Quer dizer, houve aquela...

Não sei, eu falei do Antônio Seabra Moggi, do David Figueiredo, pessoas: “Não, vamos preparar.” E preparamos. Teve uma fase, que o número de PhDs que a Petrobras formou, na América do Sul não tinha nenhuma empresa com o número de PhDs nas melhores universidades mundiais. Então, eu estava falando de volta, que essa profissionalização da Petrobras, essa... é uma empresa que é profissional. Então, quando eu estava no final da minha carreira, me aparece um diretor lá na Petrobras, um novo diretor, que por sinal, foi nomeado do Exército, saiu do Exército para ser diretor da Petrobras.

Eu que conheço as Forças Armadas, eu fiz o CPOR, que tenho um respeito muito grande, sei da seriedade do negócio, são sérios. Quando chegou o general, eu fiquei feliz. Eu digo: “Bom, pelo menos vem aqui uma pessoa que não sabe nada de petróleo, mas é uma pessoa íntegra.” E aí eu tive uns atritos porque ele quando assumiu... Quer dizer, eu não quero acusá-lo de nada, não tenho... Mas houve uma... E eu tive de apelar para o meu velho princípio de manter o meu comportamento numa determinada linha, e só saio se tiver de sair forçado, mas não vou sair nunca. E aí tive de pedir demissão. Infelizmente eu pedi demissão, e ele logo em seguida também pediu demissão, uns seis meses depois.

Com isso eu voltei para a área técnica. Ainda trabalhei como engenheiro de perfuração, sempre voltado para a parte offshore. Eu tive na Petrobras dois grandes amores. Primeiro foi a Amazônia, porque eu fui para lá influenciado ainda pelo fato do meu pai ter tido seringal na Amazônia - e realmente é um desafio. O brasileiro que não conhecer a floresta amazônica não é brasileiro. Pode ficar, porque é outra coisa. Qualquer um que for à Amazônia, qualquer um, ele sai de lá energizado. É uma região que lhe dá energia. E o segundo foi o offshor,e porque nós participamos do começo da construção das primeiras... Não havia nada no Brasil, as improvisações...

Eu lembro que o seguro, quando nós, preocupados com a operação, para começar a operação, nós tínhamos de fazer seguro com empresa internacional de seguro, e aí o perito lá do seguro que iria aprovar ou não a locação falou: “Eu quero um testemunho aqui.” E como é que nós vamos fazer esse testemunho, meu Deus? Trinta metros de lâmina d’água, a gente não tem um flutuante aqui. “Mas tem que fazer um testemunho.” Pegamos barco na Bahia, um barco da Petrobras mesmo, improvisamos e botamos uma sondinha em cima e vamos fazer o testemunho lá. E conseguimos. No final nós tiramos, acho que 20 centímetros de testemunho. Então um heroísmo lá, e quando dá o testemunho, está pronto que eu vou falar com o camarada: “Não, tudo bem. Eu dispenso o testemunho.”

Eu quase mato o camarada. Quer dizer, então, tudo isso construído para você chegar aí onde vocês estão hoje, que é a maior concentração, é a maior concentração de equipamentos de plataforma de produção de uma mesma companhia, num mesmo país do mundo. Eu levei um grupo, uma delegação chinesa, um vice-presidente, uns 20 técnicos, com o propósito, com o programa de ficar três horas na Bacia de Campos. Nós fomos de helicóptero, pousamos, começamos a explicar. O vice-presidente tinha um encontro lá no Espírito Santo com o governador. Mandou cancelar: “Não, eu quero dormir hoje aqui, que eu quero ver.”

Quer dizer, realmente a Bacia de Campos é outra coisa, que nós brasileiros deveríamos conhecer.

APOSENTADORIA

Eu saí da Petrobras, eu realmente saio em 1989, me aposentei em 1989, e fui convidado para voltar para a Petrobras, para a diretoria da Petrobras, em 1990 e fiquei durante... Menos de um ano na diretoria da Petrobras. E aí saí e... Mas esse negócio do offshore é uma coisa que contamina a gente, e a gente não consegue se libertar. Então, eu resolvi trabalhar como consultor. Inventei ser consultor, e aí... Comecei trabalhar e logo, logo - quer dizer, aí apareceram as empresas, muitas empresas internacionais atrás de ajuda no Brasil e fora do Brasil também.

Nós fizemos muito trabalho para as empresas fora do Brasil. Tivemos perspectivas de projetos, tivemos várias, inclusive uma na Rússia, na região da Chechênia, onde deu essa grande discussão política, essa grande guerra lá, e aquilo foi oferecido a uma empresa brasileira para fazer um melhoramento, um upgrade e nós estudamos. E era um negócio superatraente e eu quando eu fiz o relatório, eu tive, assim, a luz de Deus de dizer “Tem alguma coisa errada.” Eu pus: “Olha, sob o ponto de vista econômico, maravilhas”. A Rússia é um país desenvolvido e tal. A única coisa, digo: “Bom, não sei qual é o estágio político da região. Como é isso eu não sei. Precisa ser investigado.” E realmente eles investigaram e não aceitaram. De forma que até hoje eu continuo.

FAMÍLIA

Eu sou casado. Eu casei em 1964 e eu tenho só uma filha. Uma filha que é advogada, tem me ajudado, mas ela trabalha como advogada. Então, ela fez um curso até, fez um MBA em petróleo, ela se interessou muito, mas ela é louca pelo negócio de petróleo, mas é advogada. Então, quer dizer, ela tem me ajudado a gerir a empresa. Eu até trouxe ela como sócia também, mas ela dá... a maior parte do trabalho dela é dedicado à advocacia. Eu moro hoje no Paraná. Como eu disse aqui, eu pretendi terminar a minha vida no Paraná, para compensar os meus períodos de seca lá na Paraíba.

AVALIAÇÃO

Olha, eu sou um defensor da memória. Eu acho que nenhum povo pode ir pra frente, pode continuar sendo povo se ele não tiver... não tiver registrado a memória do passado.

Essa iniciativa da Petrobras, esse projeto, eu acho ele de uma importância fundamental, porque o que nós conversamos aqui eu acredito não tenha importância sob o ponto de vista técnico, sob o ponto de vista econômico, mas eu acho que tem uma importância grande sob o ponto de vista humano - e se as gerações futuras tiverem oportunidade de ouvir, ver esse tipo de entrevista que o projeto está fazendo com pessoas de diferentes áreas, vai ter uma oportunidade de um enriquecimento muito grande. E portanto eu acho que... eu não sei qual é a dimensão, quantas, que universo vai ser analisado, ou melhor... analisado não, vai ser registrado em termos de memória, mas para mim, o fato de existir esse projeto já é uma coisa excepcional na vida da Petrobras.

Quando eu falei em curva de crescimento, ao meu ver, essa curva de crescimento não existe... Não existe não, essa curva de crescimento não prossegue crescendo sem a existência de um projeto dessa natureza.

ENTREVISTA

Bom, o meu depoimento... É uma pergunta meio difícil para eu responder, mas eu respondo da seguinte forma: na Petrobras imperam as equipes. Tudo que foi feito na Petrobras foi feito em cima de equipes.

Eu fui um dos componentes de equipes da Petrobras. Essa oportunidade que eu tive aqui de fazer essa gravação acredito que foi bom porque eu represento uma dessas equipes, que as histórias que eu contei, eu não contei minhas histórias, eu contei as histórias dos fatos que eu vivenciei, presenciei ao longo do tempo, de forma que alguns desses componentes dessa equipe, que tanto fizeram pela Petrobras, eles não estão vivos hoje, mas com essa minha entrevista, de certa forma, eles estão presentes e portanto eu acho que foi muito importante para mim.


História do Morador: Alcindo Silva Filho
Local: Paraíba
Publicado em: 14/11/2003
História de Vida

História:

Identificação
Meu nome é Alcindo Pereira da Silva Filho, mais conhecido como Cidinho da BumBum. Nasci em João Pessoa, na Paraíba, no dia 11 de abril de 1944. Meu pai, Alcindo Pereira da Silva, era funcionário do Lloyd no Rio de Janeiro e a mãe, Antônia Costa da Silva, era jornalista e pintora. Eles já são falecidos. Tenho cinco irmãos. Tenho dois filhos: uma filha de 15, Lúcia Marrana e um filhinho de cinco, Victor. E sou solteiro no Rio de Janeiro.

Família
Lembro pouco dos meus avós. Eles morreram cedo ou eu nasci tarde, não sei. Mas minha vida também nos distanciou, porque eu morava no Rio. Minha família era mais ligada à arte Eu tive um avô que era maestro, e um outro foi o que construiu a primeira roda-gigante no Nordeste. Não me lembro do nome deles, que vergonha Meu irmão e minha irmã mais velhos sabem toda a árvore genealógica da família. Por exemplo, a minha mãe é parente do César Maia, ela era da mesma cidade dele. Eu me lembro que meu pai sempre saía de madrugada para trabalhar. Os amigos dele passavam naqueles carrinhos que chamavam de “Baratinha”. Aquele carro era conversível e você abria a capota atrás e sentava naqueles banquinhos. Eu achava bonitinho aqueles carrinhos. Meu pai trabalhava no Lloyd, era funcionário de transporte marítimo. E ele trabalhava no setor de comércio, um cargo mais burocrático. Viajava esporadicamente por causa das mordomias que tinha. Minha mãe era culta, ela lia muito. Tirávamos todas nossas dúvidas de português com ela. Era aquela mãezona que sabia tudo Mas a arte mesmo dela era a pintura. Ela adorava pintar. Eu ainda tenho alguns quadros dela, cada irmão ficou com algumas pinturas dela. Era dona-de-casa. A minha família era classe média para pobre. Conseguíamos morar num apartamento, pagar aluguel e sustentar seis filhos, todos estudando. Às vezes eu fico pensando nisso: “Caramba, acho que a família ajudava, éramos mais unidos do que hoje”. Hoje em dia, quem consegue criar seis filhos? Meu pai tinha um salário, que não devia ser muito grande e minha mãe ajudava no que podia, vendendo alguns quadros.

Memórias da infância
Lembro muito pouco da minha infância em João Pessoa. Tenho na memória algumas passagens: eu brincando em casa com meus irmãos, quando meu pai trouxe a primeira bola de couro, eu batendo com ela no chão, toda embrulhada no papel, eu subindo na árvore... Lembro de eu passeando na lagoa, um lugar muito bonito. Morava perto dela, sempre morei perto de água, ainda bem. Tinham algumas gincanas perto da lagoa, então eu ia com meus irmãos. Mas a maior parte da minha infância foi em Copacabana, é o que eu mais lembro. Não tenho muita memória dessa época, acho que as crianças antigamente eram mais burrinhas do que hoje em dia. Meu filho com cinco anos se lembra de quando tinha dois anos, me pergunta de tudo. Eu fico fascinado com a memória da criançada hoje em dia. Eu me lembro mais do meu crescimento em Copacabana, quando meu irmão foi mordido por um cachorro, tomou um monte de injeção na barriga e dos meus primos andando de bicicleta. Mas tenho a memória curta. Freqüentei o Jardim de Infância. Me lembro do período de alfabetização, letra, caligrafia. Minha mãe nos ensinava sempre, ela tinha uma letra bonita... As pessoas perguntavam: “Que letra é essa que você tem?”. Hoje em dia as letras das pessoas são horríveis. E eu sempre tive a letrinha caprichada. Porque minha mãe sempre dava uns cadernos para nós preenchermos com letras.

Navio cargueiro
Vivi pouco tempo em João Pessoa. E nessa época meus pais estavam um pouco ausentes porque já estavam de transferência para o Rio de Janeiro e eu fiquei morando com a tia por uns tempos. Meu pai veio na frente, depois minha mãe, ela era uma mulher decidida: “Vou, vou mudar mesmo, vou para lá mesmo” Eu me lembro que minhas irmãs vieram primeiro e eu e meu irmão viemos por último. Nós viemos de navio cargueiro porque meu pai trabalhava com isso e era amigo do comandante. Nós sempre almoçávamos com o comandante, com toda equipe, foram seis dias de viagem. Quando conto essa história, eu me lembro do cheiro das máquinas, da cozinha do navio, da maresia... Os golfinhos acompanhavam o navio. Meu pai se preocupava muito com meu irmão caçula, porque ele não podia ir ao convés, ele não tinha idade permitida para ir até aquela parte do navio. Não tive nenhum problema com a mudança de cidade, acho que por ser muito novo. Se fosse mais velho, pode ser que tivesse alguma encanação. Principalmente por causa do sotaque. Mas sou o único dos irmãos que tem sotaque, não sei por quê. Nem minhas irmãs mais velhas ficaram com ele. Talvez porque sempre tive contato com pessoas do Nordeste. Sempre tive empregados de lá. Um motorista era de Recife, outro de Fortaleza, João Pessoa...

Agito de Copacabana
Vim para Rio com quatro ou cinco anos. Era uma cidade pacata. Nós fomos morar em um apartamento que minha madrinha tinha emprestado à minha mãe, na Praça do Lido. Lembro do cheiro de padaria, nunca tinha visto aquela coisa, o pãozinho quente, o comércio borbulhante em Copacabana com aqueles letreiros de néon. Esse tipo de comércio que não existia na Paraíba. Aqui já tinha supermercado com letreiro de néon. Copacabana era bem agitada, era um point legal. Tinham as lambretas que faziam o ponto lá. Mas eu não tinha muita liberdade não Minha mãe tomava conta.

Patrulha escolar
Estudei no colégio público Marechal Trompowsky, na Rua Belford Roxo, próximo à Rua Felipe de Oliveira. Tenho umas fotos que tirei lá e não tinha escovado os dentes, então posei fechando a boca. Eu fui também da patrulha escolar. Foi o primeiro ano que o Detran estava na campanha sobre o comportamento de trânsito para crianças. Funcionava assim: foram eleitos dentro do colégio dez ou doze patrulheiros, um tenente e um capitão. A professora Zoé escolheu dois ou três alunos de cada sala e indicava para o guarda de trânsito, que estava fazendo a campanha, e ele ficava três meses dando aula de trânsito, como eles faziam nos horários de entrada e saída. Eles chegavam antes, usavam um talabarte, que foi pelo Lions [Club], com uma faixa azul. E eu fui o primeiro capitão Isto aí nunca mais vou esquecer, foi bem marcante, porque fui eleito pelos coleguinhas. Então eu dava patrulha, reunia todos e ajudávamos a saída dos alunos no colégio, para fechar o trânsito. Era legal, fiquei muito entusiasmado Fiz o primário no colégio Marechal Trompowsky. No ginásio fui para o Instituto Guanabara. Comecei fazendo o Clássico, que era preparatório para a faculdade. Eu não terminei e queria entrar na faculdade, sem fazer nada. “Não vou perder meu tempo aqui não” Eu não gostava de matemática, apesar de ter matemática intuitiva. Mas eu fiz cursinho para vestibular de Direito. Aí depois comecei a ler um livro sobre testamento, comecei a entender do negócio. Eu percebi que não precisava da faculdade para saber dessas coisas. Só que eu não posso falar isso para o meu filho. Não posso dar isso como instrução. Então, eu sempre fui autodidata, tenho bastante cultura.

A turma de Copacabana
Meu pai que tinha muitos amigos políticos, como o João Agripino. Ainda hoje eu vejo os Maia. Um amigo de papai político morreu, acho que se matou. Lembro que isso me chamou atenção, vi meu pai chorando. Meu pai tinha muitos amigos, era um cara muito querido. Lembro que sempre vários políticos, governadores do Nordeste iam em casa para visitá-lo. Ele sempre tinha uma turminha para tomar um choppinho. Depois que se aposentou ele ficou morando ali depois da Rua Barão de Ipanema, em Copacabana, que passou a ser um ponto super-legal. Tem um barzinho na esquina da Rua Bolívar com a Avenida Atlântica, até hoje muito conhecido, era o pointzinho da galera. E na outra esquina morava a Marta Rocha Dos 10 aos 20 anos eu morei em Copacabana, mas na Rua Domingos Ferreira com Barão de Ipanema. O lugar mais badalado de Copacabana era o cruzamento dessa rua com a Barão de Ipanema, era um point. Copacabana naquela época tinha as turminhas brabas. A Confeitaria Colombo era quase diagonal à minha casa, naquela esquininha perto do primeiro Bob’s. Foi ali que nasceu o primeiro Bob’s do Brasil Foi naquela esquina o que tomei meu primeiro choppinho e que conheci a primeira mulher que eu tive relações. Um dia desses fui nesse bar com a minha amiga e hoje em dia um dos sócios é o pai do Gabriel Pensador. Antes ele chamava-se Delfine e agora mudou de nome, é o Tradicional. Na outra esquina tinha o Bar do Alemão, que todo mundo freqüentava. A turma mais pesada era da Barra, lá de cima, que usava drogas. Nós chamávamos a nossa turma de “barrinha”, porque era mais leve. Nós freqüentávamos o Bob´s de Ipanema, além do de Copacabana. Tinha um movimento danado ali. Tomava muito milk shake. Ali perto tinham os barzinhos, onde nós comíamos pizza e banana split. Fazia isso quando tinha 13 anos. Com 17 anos, tomava chopp no Bar do Alemão. Mas não era de beber muito. Enquanto meus amigos tomavam dois, eu tomava um; eles tomavam dez e eu dois... Nós fazíamos muita festinha.

Chefe escoteiro
No início da minha juventude eu fiz um curso e fui guia alpinista no Clube Excursões Carioca, na Rua Hilário Gouveia. Quando morava em Copacabana fui escoteiro da igreja Santa Teresinha, perto do Shopping Rio Sul. Depois saí do grupo e fui para o alpinismo. Aí fui amadurecendo. Quando tinha 19 anos, servi o exército e logo depois virei chefe de uma tropa de escoteiros na Rua Pompeu Loureiro. Fui me envolvendo e, quando vi, comandava 20 crianças como chefe de escoteiros.

Moda jovem
Eu lembro de uma camisa que foi um sucesso danado Tinha uma loja lá na Galeria Menescal, La Dance, que vendia umas camisas estampadinhas. Ela tinha um decote em “V”, era a camisa da moda, todo mundo comprava ali porque não tinha muitas opções na época. Na Galeria Menescal uma loja ficou famosa, a La Dance, e sei que alguns amigos roubavam direto. Era coisa de grupinhos, eles diziam: “Pô, pegamos uma sunga lá, metemos a mão”. Eu nunca participei disso, fui até lá uma vez, mas não tive coragem de fazer. A loja ficou famosa porque tinha muito movimento e quando isso acontece é preciso se precaver porque roubam mesmo Quanto maior a fama da loja, maior o índice de roubo. Essa loja fez sucesso porque fazia uma roupa diferente. Eu me lembro que para conseguir jeans, nós comprávamos de um cara que trazia de fora Tinha uma casa em frente ao cinema Copacabana, na Rua Dias da Rocha, que vendia calças Levis e Lee. Era proibido. Mas era caro, até hoje jeans é caro. Imagine comprar, naquele época, uma calça importada. E me lembro que tinha também a falsa, o jeans era mais claro. E a gente ficava naquela busca do jeans melhor para se vestir. E a camisinha estampada e curtinha com negócio aqui ou com botãozinho aqui. Nós não tínhamos grana para ficar fazendo compra aqui e ali. Família de classe média não tinha essa história: pegávamos roupa dos irmãos. Não existia esse consumismo.

Moda praia
Para ir à praia nós usávamos sunga. Esses dias eu estava assistindo a um filme brasileiro antigo e fiquei prestando atenção nas roupas que o pessoal estava usando: todos homens usando o sungão, que até hoje se usa. Depois teve a época da sunguinha tipo turbo, que era menor. Muitas mulheres usavam enchimento no bojo para aumentar o tamanho do peito. Os biquínis das minhas irmãs eram de tecido, maiores e estampados, de bolinha... Usavam também um maiô que tinha uma espécie de sainha por cima. Não ficava tudo aparecendo como hoje em dia. Meu pai usava muito bermudão, mas não me lembro dele ligado à praia. Porque ele saia muito com os amigos para tomar chopinho. Moda praia para homem naquela época era o sungão. Eu usava sunga de pano, era xadrezinho e com cós branco com botãozinho, sunguinha “pagando cofrinho”. Eu andava de moto, no Arpoador, com aquela sunga turbo. Era uma sunga espanhola de jersey estampadinha que fez muito sucesso, vendeu muito essa sunga aqui no Brasil e até hoje a Speedo faz. Todo mundo andava de moto, só de sunga, descalço. Não tinha japonesa, nem sandália havaiana também, nós andávamos descalços. Me lembro da época que ia muito à praia, nós tomávamos muito sol, jogávamos frescobol. Passávamos coca-cola para tomar sol e ficar mais queimadão.

Esportes proibidos
Frescobol era proibidíssimo na época. Se a polícia nos pegava jogando, saia porradaria. Futebol também era proibido, mesmo o de areia. Quando a polícia vinha, todo mundo escondia a bola, cavava um buraco... O frescobol nasceu em Copacabana e eu jogava, era freqüentador assíduo. Quando íamos à praia, levávamos mate para o guarda-vida. Toda criançada ficou amiga dele e pedíamos para nossas mães fazer um litro de mate. Hoje ninguém mais faz isso. Levávamos uma vidinha pacata, de cidade. Não tinha tanto crime, até hoje nos lembramos do crime da Aída Cury, que jogaram do 10º andar. A garotada mais velha, de 20 anos, foi à essa festa.

Artesanato hippie
Passei uma época legal da minha vida no shopping da Siqueira Campos. Foi ali que, aos 18 anos, eu vi a primeira peça do Stênio Garcia, Cemitério de Automóveis. Lá também tive meu primeiro negócio. Comecei a trabalhar cedo, fiquei um tempo no Ministério da Agricultura, antes de completar 18 anos. Mas saí logo, não gostava daquilo. Tinha uns amigos que eram meio hippies e eles começaram a me ensinar artesanato. Então comecei a fazer cinto, mas expus uma vez na Praça General Osório. Tínhamos que abrir uma tendinha, que ficava em frente ao teatro, na Rua Siqueira Campos. Nela cada um fazia uma coisa: um fazia bolsa, o outro chinelo. Nós pegávamos jeans recortado, que hoje em dia é moda, do lixo. Usávamos coletes de sargento americano ou inglês, calça jeans desbotada, amarrada, costurada, colocada uma sobre a outra. O lixo ali fazia muito sucesso.

Escurinho do cinema
Íamos ao Cinema Roxy, entrávamos pela saída para não pagar. Ele ficava na Rua Domingos Ferreira, perto do point que freqüentávamos. Hoje ele não existe mais, acabou há 30 anos, é um hotel, um edifício muito bonito. Tinha o Cinema Braseiro, que existe até hoje. Quando saíamos para ir ao cinema, alguns amigos entravam por trás, mas eu normalmente pagava.

Mick Jagger e Caetano
Na época falava-se muito nos Rolling Stones. Um amigo meu fez um grupinho de imitação dos Rolling Stones. Então ele botava aquelas roupinhas, cabelinho mais comprido... Todos da turma usavam cabelo comprido. Na época minha sobrinha me chamava de Caetano Veloso. Eu parecia o Caetano mais novo, eu usava um cabelão e ele também, era bem magrinho e aí as pessoas de vez em quando me chamavam assim.

O primeiro automóvel
Uma época que a minha família toda mudou para Brasília, mas eu fiquei lá um mês e voltei para o Rio. Voltei a morar em Copacabana e fui trabalhar em um cartório, como escrevente, era funcionário concursado. Nesta época tinha um grupo amigas, muito bonitas, a mãe delas era holandesa. E quase todo fim de semana elas me pegavam e me levavam para a casa delas. Fiquei meio agregado à família, dormia lá, e comecei a freqüentar a Barra. Minha família estava em Brasília: meu irmão foi diretor de um colégio, meu irmão mais velho, minha irmã e o meu cunhado eram funcionários do Ministério da Agricultura e também foram se juntar ao resto da família. Então eu fui para lá e experimentei, mas não gostei. Eu ganhava muito dinheiro naquela época Da minha turma era o que ganhava melhor na época, com 18 anos. Depois trabalhei no Ministério da Agricultura, mas fiquei por pouco tempo, porque fui convocado logo em seguida para servir o exército. Saí de lá meio transviado, usava jeans com camisa de goleiro vermelho. Isso era muito avançado para época, mas estava na moda. Então fui requisitado pela SUNAB, trabalhei com os milicos. Já ganhava o salário do Ministério da Agricultura, mais um salário da SUNAB... Show Com 18 anos eu era o manda-chuva da turminha. Todos eles estudando, um era filho de juiz, outro era bagrinho, o outro fazia estágio no escritório e todos ganhavam aquele salário merrequinha. E eu já pensava em comprar um carro Comprei o primeiro carro com um amigo meu, era um fusquinha. Depois tive um Dauphine. Mas o engraçado é que depois eu enjoei e pedi demissão.

Cronometragem de corridas
Tinha um amigo meu que o pai dele era do cartório, era tabelião substituto, e também diretor do Automóvel Clube e ele me chamou para fazer cronometragem de automóveis. Cronometrava as corridas que havia no Aterro. Muita gente participava, fechavam o Aterro para corridas, assim como fazem hoje para corridas de bicicleta hoje em dia. Fechavam aquele circuitozinho onde tem o retorno antes do MAM. Aí tinha Dauphine, Volkswagen, Gordini, Vemaguete. Ninguém se lembra o que é Vemaguete, não é? Tinha também as corrida de kart, atrás do Maison de France. Depois teve a última da Barra, as “500 milhas da Barra”, que o percurso passava em frente ao Pepê, entrava na Avenida Olegário Maciel, contornava a Igreja São Francisco de Paula, fazia a curva do “S”, passava pelo Flamingo, que era uma boate antiga na esquina da praia com a Avenida Sernambetiba. Abandonei um emprego muito bom.

Cartório
Eu e esse meu amigo fizemos concurso para o cartório e passamos, fomos ser escreventes. Fui trabalhar dentro do cartório e comecei a ganhar dinheiro. Fazia diligências, tombo, lia escritura. Dali fui crescendo, fui ser tabelião. Mas não agüentava aquele negócio todo dia. Trabalhava de terno e gravata, super-engomadinho. Eu me lembro que mandava lavar minha roupa na lavanderia Quitandinha e ela voltava impecável. Ela vinha na caixa com um papelão para não amarrotar, parecia sempre que era uma camisa nova. Até hoje nunca vi nada igual. Mas depois de um tempo saí do cartório. Eu não agüentei mais aquela história toda, enjoei.

Lojas de roupas
Eu gostava de roupas diferenciadas, comprava primeiro na Ducal, depois na Temper, que eram lojas de roupas masculinas. Comprava naqueles crediários um, dois ternos e algumas camisas. No cartório eu andava sempre impecável. Ele ficava em Copacabana, perto do prédio onde morava. Eu ia na Ducal da Rua Constante Ramos. Era como as lojas que só vendem terno de hoje em dia. Ela era grande, tinha dois andares, escada rolante. Outra loja conhecida era a Oggi, que ficava em Copacabana, mas era mais sofisticada, mais cara. A Ducal era mais famosa porque tinha crediário, várias filiais. E a Temper também tinha várias lojas

Corrida de submarino
A Barra na década de 1960 era show Nós andávamos por ela e só víamos a luz da casa da Joana, que era a mãe dessas minhas amigas. Enxergávamos uma luzinha de longe... Era maneiríssimo mesmo Eu me lembro que a gente saía ali e esquiava com um jipe: construíamos umas pranchas de madeira e saíamos esquiando pela areia. Tinha um amigo meu que era médico, lá do Hospital Lourenço Jorge, que era maluco. E ele nos acompanhava. Sempre quando acontecia algum acidente ele levava para o hospital. Eu já era conhecido lá. Ganhava dinheiro rebocando carro da praia. Nessa época fiquei craque em desatolar carro. Minhas amigas tinham um jipe, então ficávamos esperando alguém ir namorar. Todo mundo atolava o carro, era tudo areião. Os casaizinhos chegavam para namorar, atolavam e ficavam tentando sair, aceleravam... Então nós chegávamos e dizíamos: “Ó deizinho, vai?” Se o cara falava que sim, nós íamos e desatolávamos. A nossa brincadeira era vigiar qual o carro que estava atolado para ganharmos grana. Na Barra tudo era drive-in, porque nós dizíamos que víamos “corrida de submarino”. “Corrida de submarino” é você parar o carro de frente para o mar para namorar, mas você não vê nada. A Barra tinha poucas coisas, só alguns barzinhos antigos. Eles ficavam perto do Recreio, perto da Praia da Macumba. Toda sexta-feira nos reuníamos ali para tomar um chopinho. Meus amigos adoravam tomar um chopinho e eu achava aquilo um porre. Ficavam bebendo a noite inteira. Na época, criamos um clube, éramos quatro amigos inseparáveis. Chamávamos de SS, “Só Sacanagem” Criamos uma lei: quem namorasse uma garota direita, ou supostamente direita, cometia um crime Fazíamos votações e pagávamos: duas ou seis OB [cerveja Ouro Branco]. Um dos integrantes era o falecido desembargador João Claudino de Oliveira e Cruz. Ele e um outro amigo nosso, que hoje é juiz, o Sérgio Oliveira e Cruz, fizeram um estatuto. Falando isto tudo: só cerveja Só cerveja Eu não agüentava aquilo Era muita cerveja, então eu abandonava, deixava meus amigos e ia para o carro dormir. Os três ficavam lá bebendo e falando besteira. Eu dizia: “Ah não Deixa eu descansar”. Nós também freqüentávamos a pizzaria Tarantela. Ela ficava no bairro mais antigo da Barra da Tijuca, na esquina da praia. Era onde ficava o pessoal do Kart Surf, hoje em dia é entre o Bar do Pepê e o Bob’s.

Bar Biondina
A única rua de comércio na Barra era a Olegário Maciel. Até hoje tem o comércio mais antigo da Barrinha. Eu mesmo tive uma sorveteria ali na época. Na esquina ficava o Bar Maracujina, um dos mais antigos e que existe até hoje. Quando pedi demissão do cartório para morar na Barra, fiquei um ano sem fazer nada. Mas comecei a pensar: "Não vou ficar à toa, né?”. Então eu e o namorado de uma dessas minhas amigas resolvemos comprar carro batido e consertar na garagem da Joana para depois vender. Mas não deu certo. Depois compramos um barzinho, na esquina com o Maracujina. Chamava Biondina e, na época, era o único lugar que vendia gelo na Barra. Eu e meu amigo compramos, conseguimos fazer um acordo com o cara, ele gostou de nós, viu que éramos jovens e estávamos empolgados e nos vendeu. Era um restaurantezinho que vendia empadinha, pizza e gelo, que ninguém vendia Ficamos com o bar no começo dos anos 1970. Ele ficava numa esquina, em frente a uma igreja, próximo ao Banco do Brasil. O Biondina era onde hoje fica uma lojinha de cachorro. O ministro Gama Filho foi me visitar uma vez lá, porque quando trabalhei no cartório eu era assistente do tabelião Serafim Gonçalves Pinto, que era muito amigo do ministro Gama Filho, que fundou a Universidade Gama Filho. Eles estavam passando por perto, tinham saído para fazer uma escritura em algum lugar, e foram me visitar. Os dois já morreram. Ficamos trabalhando ali por dois anos e meio. Ganhei grana e comprei minha moto. Conhecia muita gente que freqüentava, porque tinha pouca opção na Barra. Nós íamos angariando clientes na época, eu virei motoqueiro e o pessoal ia de moto para lá. Então a galera ia sempre para lá e se reunia, tomava seu uisquinho, comia pizza. Vendíamos pedras de gelo, ninguém fazia isso na Barra, e eu tinha gelo estocado. Comprava da Skol, da Brahma, aquelas pedras grandonas. Nosso restaurante tinha uma certa variedade: tinha chopp, pizza, empada, frango a passarinho, casquinha de siri. E era legal, às vezes, quando pescavam ali, os caras traziam pesca e nós fritávamos os peixinhos. Algumas pessoas jogavam tarrafa ali na frente, fazem isso até hoje. Naquela época eu mesmo ia pescar de madrugada, com meu grupo. Nós pescávamos pitu no meio daquela lagoa. A Barra era bem diferente de hoje, não tinha essa de ficar com medo de andar nos lugares, nós andávamos muito despreocupados naquela época.

Balaios e Hell´s Angels
Depois de um tempo eu enjoei daquele negócio de dormir tarde e acordar cedo para receber o chopp, o gelo... Ter restaurante dá muito trabalho. Você precisa repor produto, manda lavar a casa, limpar e é muito trabalhoso. Aí virei vagabundo de praia. Saía de moto, freqüentava o Arpoador, ao Montenegro, voltava para casa e tomava banho. Chegava à tardinha, via o pôr-do-sol no Arpoador, depois saía de moto de novo. Ficava no Postinho, no Jardim de Alá, até de madrugada andando de moto. Era um grupo de 30, 40 motos, que ficava subindo e descendo o Alto, a Pedra de Guaratiba. Não sei como tínhamos tanto saco para andar tanto de moto. Acontecia muito acidente, porrada porque o nego fechava e o outro queria bater. Vi muito acidente, amigo meu morrendo na minha frente porque bateu de frente com o ônibus, amiga minha amputando a perna... Tenho imagens horríveis dessa época. Meu grupo de moto não tinha nome, mais depois nasceram os Balaios e os Hell Angel´s. Os Balaios ficaram naquele posto Texaco da Lagoa. Outro dia encontrei com uma amiga minha, a Aninha, ela fez uma tatuagem deles há 24 anos. Ela namorava um garotão que era dos Balaios. Hoje em dia ela é dona daquele bar Botequim Formal, no Leblon, e comentou comigo: “Todo mundo teve uma morte esquisita, ninguém teve muito sucesso daquela turma”. Eu não fui muito fundo naquela história. Eu gostava muito de moto, mas não de grupinhos, de turminhas, nunca.

Maga Patológica
Depois de um tempo o dinheiro foi acabando e eu achava que ainda estava tirando onda, imagina Estava mal acostumado com cartão e com dinheiro. Abri restaurante, vendi e botei uma grana no bolso. Só que eu achei que aquilo não ia acabar nunca mais. Nessa época conheci uma mulher, a Luísa, que era a dona da Maga Patológica, uma loja de moda feminina jovem, que fazia o maior sucesso na época, que ficava no número 437 da Galeria Oxford na Rua Visconde de Pirajá. Ela é que me botou nesse ramo de comércio de roupa. Conheci a Luísa quando estava vendendo uma moto no Postinho e o marido dela, o Sérgio, me conheceu. Ele chegava em casa e dizia: “Pô, conheci um cara gente-fina que anda bem de moto para caramba...” Um dia ela chegou lá e perguntou se eu ajudava a levar a moto para Arraial do Cabo. Eles foram de carro, um Opalão daqueles que tinham um grampinho assim de 4100 cilindradas, e eu levando a moto para eles. Quando chegamos, ele me pediu: “Me ensina...” Então, um dia, ainda morando na Barra, estava fazendo uma festinha em casa no meu aniversário. De repente ela chegou na cozinha e PUM Me agarrou e me deu um beijão, malandro Aí pronto... A mulher separou e ficou comigo. Ficamos morando juntos por dois anos E logo depois eu fui prestando atenção na loja dela. Mas ela faliu, confusão com o marido: o cara querendo me matar, eu querendo matar ele. Imagina eu, um garoto, com uma dona ruiva. Chamava atenção. E eu era magricelo, fininho e andava de Kawazaki 1000. Eu nem sei como eu segurava uma moto daquela. Ela era da minha idade ou um pouco mais velha, não lembro, e tinha três filhos. Ali foi a minha desgraça O restinho de dinheiro que eu tinha foi acabando. Fomos morar num condomínio na Avenida Sernambetiba. E o dinheiro foi acabando, acabando. Então cismamos de abrir uma loja juntos na Galeria Visconde de Pirajá, 86. Ficava em cima de uma loja de uma marca muito conhecida, a Fruto Proibido. Nós vendíamos roupas da Pin-up e outras marcas conhecidas, e de fornecedores de biquíni – eu vendia uns biquínis com elefantinhos. Eles eram de tecido, de paninho e de algodão, de malha... O nome da loja era Arsène Lupin, que era um francês de casaca. Foi essa ex-mulher que deu esse nome, ela gostava dele e era quem comandava. Aprendi muito com ela, que já estava no mercado de moda, de confecção, de comércio. Isso foi por volta de 1974. Mas a loja não deu certo e faliu. E eu tinha que sustentar ela e os três filhos, porque o cara não dava nada, ele também tinha falido.

Cintos elásticos
Então eu comecei a vender jóia. Andava no Postinho e conheci um cara que vendia ouro. Eu tinha que sobreviver, ganhar a grana e passei a fazer jóias. Um pouco antes disso, comecei a viajar e vender bijuteria, roupa, qualquer coisa. Eu me lembro que teve uma época do cinto de elástico, foi um boom. Às vezes, trocava um carro inteiro pela mercadoria. Eu falava para o fornecedor: “Tenho dois carros aqui, você me dá quantos cintos?” Depois saía viajando pelas cidades. Começava por Belo Horizonte, que era a maior praça de comércio. Eu chegava nos lugares e dizia: “A última novidade do Rio de Janeiro”. E compravam muito, me pagavam com vales. Eu perguntava: “Quer quantos cintos?” Quem eu já conhecia me dava um valezinho: “Vale 30 cintos a tanto” e pagava depois de 30 dias. E aquilo virava uma promissória que funcionava Nunca me lembro de ter levado nenhum trambique. Quando algum produto não vendia, eu pensava: “Essa bijuteria não está vendendo Estou vendendo a quanto? A 10? Então agora, vou vender a 19 29”. As pessoas terminavam comprando mais caro um produto que eu não tinha conseguido vender antes. Eu aumentava o preço e inventava uma historinha. Quando queria ganhar mais experiência, viajava com um parceiro, que era primo dessa mulher. Mas era legal porque nós estávamos levando a cultura do Rio de Janeiro Uma vez comprei um monte de roupa de um cara que tinha fechado a fábrica. Eu comprei um monte de vestidinho. E era muito engraçado, que às vezes eu viajava e pagava a gasolina com roupa: “Pega essa blusa aqui e me dá de gasolina”. O importante era voltar para casa sem nada Ia para Santos, Belo Horizonte, Brasília, procurava sempre ir mais longe e fazia minha clientela.

Feira de Moda Praia
Um amigo meu fez a primeira Feira de Moda Praia no Hotel Nacional. Ele fabricava biquíni de vários tecidos e era meu fornecedor daquela loja que eu tive, que tinha uns vestidos compridos, de malha, saída de praia. E ele sabia do meu potencial de trabalho e falou: “Vou fazer uma Feira e queria que você me desse uma força, você conhece todo mundo na praia”. Naquela época eu parava minha moto em Montenegro para jogar frescobol de 11 da manhã às 4 da tarde Já tinha um braço que era maior do que outro de tanto jogar. Fui para o Hotel Nacional, e peguei uma três ou quatro daquelas gatas e vesti com uma roupa de aeróbica de linha de lycra com duas, três cores, a roupa toda colante. A Lycra nascendo naquele momento. O desfile foi aquele sucesso, o meu amigo foi para o Hotel Nacional receber os clientes dele e eu fiquei como o gerente do estande. Parecia que eu era o dono da empresa, porque eu já estava distribuindo biquíni dele na praia. Uma coisa que eu faço até hoje é dar biquínis para as minhas amigas na praia Eu coloquei no estande duas amigas minhas andando com as roupas. Foi um caos na Feira. O stand ficava em baixo da escada, perto da entrada. Então ninguém entrava nem saía. O dono da Feira falou assim: “Está proibido de vocês fazerem isso aí”.

Primeira BumBum
Eu já morava na Gávea e estava sem grana. E esse meu amigo foi embora e deixou uma dívida, conta de telefone com várias ligações para São Paulo, Santos e tinha botado umas três amigas dele de São Paulo na minha casa. Ele me disse: “Eu te pago depois, vem em Santos e aqui que eu te pago”. Eu fui lá e ele me pagou em biquíni. A minha idéia era abrir uma loja de biquíni e ele foi me dando algumas dicas. Consegui arranjar uma lojinha, na Galeria Oxford, na Rua Visconde de Pirajá, 437. Era o único lugar que eu podia me instalar porque era o mais barato. Comecei vendendo os biquínis que ele me forneceu e comprei outra partida com a promessa de pagar em 30 e 60 dias. Minha lojinha era tão pequena Eu fazia a vitrine no teto Ele era em diagonal de madeira, eu preenchi com tachinha de alfinete. E prendia os biquininhos todos cheios de desenhinho. Foi lindo Minha loja tinha 12 metros quadrados, era um banheiro melhorado... Fiz duas microcabines. A BumBum nasceu exatamente com essa idéia de ser a primeira loja no Rio de Janeiro só de biquíni. Então, eu abri minha lojinha com os biquínis que ele me pagou e comprei mais dele, da Catalina e da falecida mãe do Bernard, do vôlei, que fazia uns biquínis mais para senhoras. A idéia da minha loja era abranger o mundo do bumbum Então eu queria ter biquínis para todo o tipo de bunda e peito, que a mulher saísse dali com uma peça de roupa que não tinha em outro lugar. Aluguei um aviãozinho para passar na praia com o anúncio da loja. O meu amigo disse: “Você é louco, você não tem dinheiro” Então naquele domingo o avião apareceu na praia lotada com letras garrafais vermelhas: “BumBum. Biquínis, varejo e atacado. Rua Visconde de Pirajá, 437”. Aí foi um sucesso.

Sucesso comercial
A idéia de botar o nome de BumBum foi de um amigo meu, Erastro, que era dono de uma produtora. Antes ele teve um barzinho na Tijuca com o nome de BumBum, e eu falei: “Estou procurando um nome”. E ele me disse: “Bota BumBum” A loja era legalizada toda certinha. Olha eu nem acreditei Eu fiz um desfile de inauguração, em 1979. A galera toda que freqüentava a praia foi prestigiar. Imagina uma loja com desfile de biquíni, naquela época em que não se vendia biquíni E foi um sucesso: no outro dia já tinha fila na porta para comprar biquíni Alguns amigos meus que já tinham negociado comigo olhavam e não acreditavam naquilo. De vez em quando eu escutava umas piadinhas: “Ele está empolgado assim porque é o início”. Mas eu tinha tanta certeza que aquilo era para o resto da vida, eu sabia que aquilo era uma marca que eu ia fazer para o mundo. Me dediquei muito a esse meu trabalho. Porque eu sabia que não existia nada parecido e o resultado foi imediato. Tinha fila todo dia para comprar

Logotipo, logotipos
Eu comprava na Casa Pernambucana aquele tecido de algodão, tecido cru, e desenhava a marca que era um bumbum com um dedo. É feito um bumbum, que quando tira a mão é um dedo. Essa era a marca da BumBum, mas eu não uso mais ela. Isso ficou na Visconde de Pirajá quase tombado pela Prefeitura Porque tinha uma plaquinha na Rua Visconde de Pirajá apontando dentro da galeria. Era um dedo apontando dentro da galeria, escrito BumBum Biquíni Isso ficou tão conhecido que a Brahma registrou uma mãozinha que é o número um deles Eu deixei de pagar uma quota ridícula para o INPI, eu não dei prosseguimento ao registro do logotipo. Então perdi o amor pelo dedo. Atualmente, eu mudei totalmente a marca: são duas gotas, como se fosse um dedo derretido. Estava procurando há seis anos um logo que representasse o nome que, para mim, é conhecido no mundo inteiro, eu digo: “Caramba Que símbolo eu posso dar para o nome, tirando a palavra bumbum que é tão fácil de ler em qualquer língua do mundo?” Um amigo designer desenhou duas gotinhas, uma perto da outra. Estou lançando agora e já faz parte do nosso símbolo. Vai sair bordado em todas as nossas roupas. Eu queria que a leitura fosse mais rápida. Você olhar e entender que aquilo significa BumBum, como a Nike. A Nike faz aquela vírgula e você já sabe. Quantas vezes eu deixei de bordar no biquíni BumBum, e as pessoas disseram: “Pô, não tem bordado, então não quero” As pessoas exigem a marca. Mas eu quero transformá-la num símbolo para que a leitura seja mais dinâmica. Nós estamos numa outra época. Não tem que ficar lendo uma coisa para entender. Vou botar essas duas gotas para virar meu nome BumBum.

Opinião dos clientes
A loja não tinha espaço para diversificar tanta coisa. E vender biquíni é muito complicado de vender até hoje, porque são muitas opções. A empresa foi crescendo e eu fui para a Rua Vinícius de Moraes. Eu sempre tive quatro lojas em Ipanema, gosto de ficar nelas, mas também uma em outro bairro, mas não tinha tempo de ir lá. Eu acho que preciso acompanhar, delegar as tarefas. Se você tiver uma loja e não ficar perto, visitá-la, não vai ter sucesso. É importante que o dono seja uma pessoa interessada, visitar, acompanhar. Antes eu delegava assim: “Usa o bom senso, hein?”. Ninguém tem bom censo igual ao seu Hoje eu não tenho mais a loja na Rua Vinícius de Moraes, onde ficava o escritório. Ali era o point onde eu encontrava os atletas que eu patrocinava, ainda patrocino alguns, e os amigos. Fiquei um tempo afastado das lojas, morava na Barra, mas agora voltei para Ipanema. Tento passar nelas de vez em quando, e sempre olho as vitrines. Gosto de escutar o comentário do cliente. Eu entro na loja como se fosse consumidor, nunca me apresento como dono, para escutar as opiniões. E gosto que as vendedoras também captem essas informações, para melhorar o atendimento, o produto... Na década de 1980 eu mantive as duas ou três lojas. Naquela época eu mantinha as da Galeria Oxford, da Rua Vinícius de Moraes e da Rua Visconde de Pirajá. A primeira, porque já era um ponto tradicional, mas depois tive que fechar uma das outras porque era muito caro para mantê-la. Aos poucos as pessoas vão para uma loja que tenha mais conforto. Então, como na outra tinha mais cabines, mais conforto, as pessoas foram abandonando a mais antiga.

Descrição das lojas
A loja de Búzios tem 200 metros quadrados. Ela é mais confortável, tem 10 cabines, um banheiro, e hoje em dia butique não tem isso. Tem um lugar com sofazinho, com plantinha, agüinha... Os clientes têm um certo conforto. Antes a pessoa estava passeando e entrava na minha loja, mas não tinha como circular por ela. Supondo que entrasse a mulher, o marido, o filho e mais um casal de amigos na sua casa, só um deles ia comprar um biquíni e a loja ficava lotada. Hoje em dia ampliei a linha masculina e, como a loja tem mais espaço físico, o homem tem espaço para circular, sentar e também para comprar. Eu tenho filiais em Ipanema, no Barra Shopping, na Barra da Tijuca, em Búzios e agora em Floripa que é um novo mercado de mulheres lindas, maravilhosas...

Produtos variados
Na loja você encontra, além de biquínis, shortinho que combinam com ele. Então você pode criar uma montagem. Colocamos pendurados vários tons de azul e modelos diferentes. Lá você encontra um camisão com aquela mesma estampa, um short... E do lado você encontra uma cor neutra, digamos o branco. Um blusão branco para combinar com a pantalona estampada. Vendo as peças separadas também. A cliente pode escolher se quer sutiã pequeno ou grande, a calcinha grande, pequena, média, de lacinho. E além delas, você vê os complementos todo: do lado das araras tem uma manequim vestida com um biquíni, bijuteria, chinelinho, bolsa. Você sabe que sai de uma loja desse tipo pronta e bem vestida para aparecer na praia, em qualquer praia do mundo É como se a pessoa tivesse feito uma consultoria: “O que é que fica bem para mim?” E com a mesma estampa do biquíni, eu faço uma bolsa, um detalhe do chinelo, a bijuteria... É como se você fosse na Volkswagen ou na BMW e quisesse comprar um acessório para o seu carro. Só combina com aquele acessório daquela empresa. Porque eu estou usando as nuances das cores dentro do segmento da moda. Por exemplo, você compra um biquíni, aí eu tenho um blusão que é do tom de uma daquelas flores, ou da nuance do chinelo ou da bolsa. Então vendemos acessórios que combinam com os nossos biquínis, bijuteria nacional. Uma pedra brasileira, uma coisa que combina com toda aquela roupa. E fica muito bonito Realmente a nossa coleção esse ano foi muito elogiada e vai ter mais.

Tendências e cores
Colocamos na mesma arara todos os produtos da família de uma cor. Uma estampa que fez muito sucesso neste ano foi um tom-sobre-tom. Era floral, no tom de azul, com azul mais claro e o branquinho. As estampas e cores variam todo ano. Eu sempre visualizo a tendência nacional, sou um dos que mais freqüenta praia, então percebo as necessidades. Fico investigando o que serve melhor para a mulher, em termos de biquíni e moda praia, e trato de fazer o produto para ela. E tem críticos que às vezes nem vão à praia Ele não sabe o que está acontecendo. Temos que olhar a tendência internacional por um motivo: porque é o que vai ter na praça para se vender Então os fabricantes, a DuPont, vai fazer o fio com aquela tintura, com aquela cor. E os fabricantes de lycra comprar os fios da DuPont. Então você tem que usar a cor que eles fabricam. Agora eu uso sempre as cores que ficam muito bem para a praia e para a mulher. Eu pinço da tendência internacional o que pode ser usado aqui. Biquíni é brasileiro e por isso que nós estamos com fama mundial, porque nós temos esse compromisso e esse comportamento. A mulher brasileira prefere biquínis na cor azul e tons-sobre-tons de azul. O azul sempre vende mais, fica bem melhor para a mulher. Mas as morenas também gostam de vermelho e eu gosto de tons laranja, com amarelo e branco, fica uma cor superlinda O verde vende menos, é menos comercial, mas também é bonito. O turquesa fica bom para as loiras. Tem várias cores e cada um tem sua tribo de cores.

Estampa exclusiva
Estou desenvolvendo uma estampa exclusiva para a marca. Eu escolhi uma flor. Posso escolher o tamanho dela, a pigmentação, a cor, o tom... Vou direcionando e minhas auxiliares de estilo põem no computador e vamos jogando: “Troca o fundo Não gostei Essa cor não contrasta legal”, até chegar num produto que me agrade. E a fábrica produz para todo o Brasil. A Salete, por exemplo, é uma indústria de São Paulo que faz estampas. Mas elas normalmente são para todo mundo. Agora quem quer exclusivo, desenvolve e manda fazer. Tem um mínimo, uma quantidade para a fabricação

Exportação de biquínis
O Brasil aumentou bastante as vendas de exportação da moda praia para o mundo inteiro. Eu recebo e-mail todo dia de vários lugares do mundo querendo saber sobre a moda praia brasileira. É impressionante Estou muito feliz com esses resultados. Cada vez trabalho mais. Aprimoro sempre minha coleção porque é uma divisa brasileira, com a bandeira brasileira. O respeito que as pessoas têm pela moda brasileira é tão intenso que lisonjeia todo o povo brasileiro Eu sempre exportei muito timidamente, porque eu sou centralizador com a minha produção. Cheguei ter loja em Ibiza, na Espanha, em Manhattan Beach, na Califórnia. Eu era o exportador no Brasil e o importador na Espanha: ia para lá, sacava na aduana, pagava os impostos e levava para a loja. Acho que isto é tão gratificante que eu nunca pensei como lucro. Isso foi bom porque eu fiz um marketing mundial. Essa loja de Ibiza era conhecida no mundo inteiro. Vendo o mesmo biquíni que tenho aqui pelo fato de eu ter várias opções de tamanhos. O tamanho grande serve tanto para as brasileiras como para as estrangeiras. Nós aumentamos o tamanho do sutiã, porque hoje em dia tem muita mulher de silicone. E hoje em dia o corpo de uma brasileira está mais parecido com os das estrangeiras. As mulheres agora, em vez de usar tanga, também usam o biquíni maior. Então eu dou a opção de vários tamanhos para agradar a todas. E o legal do Brasil é que estamos passando essa cultura para o mundo inteiro. As mulheres já aderiram à modelagem dos biquínis brasileiros e inclusive ficam mais bonitas. Você vê uma mulher americana com biquíni americano e ela está ridícula Porque ela mete o biquíni na virilha, a parte da frente fica linda, mas de costas você não acredita. Porque o biquíni é mal modelado ou mal colocado no corpo dela, desvalorizando as curvas que ela tem.

Tipos de biquínis
Desde a minha primeira loja de biquíni eu vendia biquíni de lacinho. Depois veio a Água Viva, uma novela que fez muito sucesso, que usava um biquíni de três cores. E vendia também os biquínis grandões: o biquinão, o sunquíni. Existem vários modelos. Conheci o fio dental quando cheguei em Ibiza e era uma coisa tão ridícula Aquele fio dental quadrado, o corpo da mulher ficava feio. Então eu dei uma “shapeada” na modelagem e fiz um biquíni pequeno. Ficava aquilo tudo encolhido, aquele drapeado sem querer e ficava todo o biquíni encolhido em cima do bumbum. Porque quem tem um bumbum grande não pode botar um biquíni normal. Ou ela põe um shortinho que abrange até lá embaixo, a polpa, ou tem que colocar dentro do “vale da perdição”. Mas ficava feio aquele pano sobrando. Eu modelei e tirei o excesso da lycra. E ficou bonito Faço alguns modelos de biquíni tanga há 20 anos. A mulher sempre gostou de usar um biquíni pequeno. Mas tem mulher que até hoje não sabe botar biquíni. Não sabe escolher uma estampa que fica melhor para ela, o melhor sutiã. Isso em termos, claro. Algumas clientes discutem sobre lycra, modelagem, estampa. Elas estão muito bem informadas. Antigamente não tinham conhecimento porque era novidade. Faço modelos de tricô até hoje. Porque quero satisfazer todos os tipos de mulheres, desde que o tecido fique bem. Seja o biquíni pequeno ou grande. A minha preocupação é melhorar sempre. Acho que temos que satisfazer a mulher. Quando abri a loja, o biquíni mais vendido era o de lacinho. Porque é mais versátil, você põe ele mais apertado, e se tem uma gordurinha lateral, pode colocar mais folgado. E com o lacinho, você pode usar vários tipos de sutiã: pode ser o de lacinho também, o de triângulo, o bionda. Cada vez nós melhoramos mais e damos mais recursos para a cliente escolher. O maiô sempre representou 20% das vendas da loja. Porque qualquer mulher pode usá-lo, tanto a magrinha, quanto aquela que quer fazer natação. E ele fica bem em todas: nas que não podem usar biquíni, nas magrinhas saradas. O maiô é elegante, fica bonito também. Na década de 1980 vendi muito o sunquíni, porque as pessoas começaram a procurar um biquíni maior. Depois veio o enroladinho também, a tanga que é muito tradicional.

Troca de produtos
Fazemos muitas trocas de biquíni, porque é muito difícil você agradar a mulher. É uma parte muito importante da venda e fazemos com todo o carinho. A troca é uma forma de presentear a pessoa, que ela não se sinta constrangida em fazer isso. Nós temos uma regra na minha empresa e a regra número 1 é trocar o produto. A regra número 2 é que o cliente sempre tem razão. E não tem jeito O cliente sempre tem razão e, mesmo que não tenha, nós damos razão para ele Mas tem muitas pessoas cara-de-pau. Algumas mulheres vão com o biquíni usado e falam que nunca usou E nós dizemos: “Está bem” e tentamos mostrar que é mentira. Você abre o biquíni em cima de um papel e faz “trrraaák”: cai um monte de areia.

Marca diferencial
Antes eu cortava o tecidinho, com a faquinha alfa na modelagem, era um pedacinho de pano meio retangular, fechava ele e virava um saquinho. Tinha a nossa logomarca. Essa embalagem ficou conhecida por muitos e muitos anos. Até hoje temos os clientes mais saudosos: “E aquele saquinho, a embalagem antiga?” É que usavam para botar bijuteria, calcinha, guardavam no guarda-roupa. A embalagem hoje em dia é de plástico para ficar mais agradável, porque os clientes começaram a reclamar. As pessoas usavam o biquíni e colocavam no saquinho ele molhado, para botar na bolsa. E a de plástico não molha e fica muito mais protegido. Os biquínis tiveram a nossa logomarca até um determinado período. Fiz isso pela cobrança na praia. Uma vez uma amiga chegou na praia e eu perguntei: “Por que você não está com meu biquíni?” E ela disse: “Mas todo mundo está com seu biquíni aqui” A partir daí fiquei pensando em como faria para diferenciar meu biquíni. Hoje em dia a estampa exclusiva é nosso diferencial. Então comecei a bordar “BumBum” atrás do biquíni. Isso foi um sucesso e depois as pessoas começaram a cobrar: “Cadê, cadê o bordado?” Há um mês nós mudamos o logotipo e fizemos uma nova embalagem que é a forma de uma gota, meio de lado, com as cores de fundo do mar: azul turquesa com branquinho e duas gotas brancas escrito “BumBum Ipanema”. A embalagem é importante porque a partir dela você vê a preocupação do fabricante com o produto interno. Fica muito deselegante um biquíni de qualidade em uma embalagem pobre. Biquíni é um bem que se presenteia muito. É a mãe para a filha, o namorado para a namorada...

Diferença entre os clientes
Temos muitas cabines na loja porque as clientes experimentam muitos biquínis. Normalmente demora meia hora para vender um biquíni: a calcinha ficou boa, mas o sutiã não, trocar a calcinha por outra cor... E nós fazemos isso com o maior carinho, nossas vendedoras estão treinadas para isso. Faz parte da venda, a mulher é exigente mesmo Por isso que temos essa gama de opções para elas escolherem. Nós queremos que a mulher saia satisfeita, bonita e faceira. Atender homem é mais rápido. Eles chegam e perguntam: “O que tem aí? Preto?”, “Quanto é?” Ele paga e tchau Mas eles estão mudando muito como consumidores. Agora temos mais variedade para eles também.

Empregados
A maioria dos empregados é mulher. Acho que ter um homem como vendedor constrange o público feminino. Você chega na loja com tua mulher e tem um cara para servir o biquíni para ela Em seis lojas, tenho 130 funcionários. Mas tenho um funcionário que está comigo há 20 anos, ele é um antigo sócio, e é meu braço direito. Outros funcionários da equipe, como as costureiras, estão comigo há 20 anos também. Eu fabrico todos os meus produtos em Jacarepaguá. Mas a minha primeira fábrica foi em Ipanema. Ela ficava num lugar chamado Bar 20, onde o bonde fazia a curva.

Vendas
As lojas do Rio Sul e de Ipanema sempre me deram bastante retorno. Mas acabei de fechar duas lojas: a de Vitória e outra na Downtown, porque quando você está mal localizado não tem remédio. Minha loja não tem uma forma própria de pagamento. Ele é feito, em sua maioria, pelo cartão, infelizmente. É um absurdo, porque você sempre perde 5%, 8% em cada venda e isto é muito ruim Nós oferecemos um desconto para os clientes que querem pagar à vista. Como temos que perder para alguém, prefiro perder para o meu consumidor: tenho que premiar quem é fiel ao meu produto.

Marketing espontâneo
Eu faço pouca publicidade porque eu recebo muito marketing espontâneo. Fui entrevistado por um jornal francês, outro dia por um canadense. Recebo muita oferta de marketing espontâneo: saio na mídia, faço desfile, catálogo. Agora, minha maior publicidade é catálogo e vitrine. O catálogo é importante para você mostrar o seu produto. E tem que fazer um conceitual. Normalmente eu faço os meus conceituais com uma história sobre a cor. Eu estou criando um estampa cheia de cores. Pensei nelas como quando os navios afundam e derramam óleo e criam aquelas cores como se fosse um rio caudaloso, cheio de curvas.

Continuidade dos negócios
O meu filho é muito companheiro. E acho que só por ele ser muito companheiro ele vai querer me ajudar, porque sou meio desorganizado e senti que ele vai vir para me organizar. Passo para ele muito a cultura de educação e esporte, o resto deixo com ele. Não faço a menor questão que ele siga o que eu quero, ele vai fazer o que quiser.

Dia-a-dia
Eu acordo, dou uma corrida, faço algum esporte e vou para a fábrica. Lá me reúno com o pessoal do estilo, para ver o que eles fizeram, as estampas. Então vou no outro departamento, quero saber de tudo, centralizo tudo. Quero saber de tudo o que está acontecendo, como está a costura, o biquíni, as vendas, as exportações... Eu não tenho mesa, não sento. Gosto de estar a par de tudo, porque como já estive ausente uma vez, eu senti como tem tanta coisa para fazer, é assunto para o dia inteiro: você tem que olhar a modelagem, o biquíni. Eu fico sempre naquele jogo dos sete erros: tentando encontrar um erro para consertar. Eu investigo, ligo sempre à noite para as lojas: “E aí, como é que está?”

Avaliação
O Rio de Janeiro está precisando de um trabalho voltado à cultura, porque ela é o que fica, e vai contar o que foi ou deixou de ser. E uma cidade só pode ficar registrada na história se tiver alguém fazendo cultura. Fiquei fascinado de poder falar alguma coisa da BumBum e do comércio do Rio de Janeiro.

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